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Política

Verbo 'indicar', Segovia quis favorecer Michel Temer?

12 fevereiro 2018 - 13h52Por Blog do Helio Gurovitz

Indicar” é um verbo que jamais deveria ser usado por jornalistas, exceto em sua acepção literal: apontar com o dedo, mostrar o caminho. O motivo é sua ambiguidade. Para o jornalista, ele tem um sentido. Para o leitor, outro.

Isso fica evidente no caso da correção emitida pela agência Reuters à declaração do delegado-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, a respeito do inquérito em que o presidente Michel Temer é investigado, por suspeita de favorecimento da empresa Rodrimar num decreto a respeito da operação de portos.

Na primeira versão da entrevista, a Reuters disse que Segovia “afirmou” que arquivaria o inquérito. Na segunda, que ele “indicou” que arquivaria, diante da falta de provas. Qual a diferença?

Do ponto de vista do leitor, quase nenhuma. Em ambas as formulações, está claro que Segovia é favorável ao arquivamento e, como chefe da PF, tem poderes para colocá-lo em prática. “Indicar” ainda é um verbo forte o bastante para transmitir ao leitor a impressão de que Segovia quer mesmo acabar com o inquérito.

Para o jornalista, contudo, a segunda formulação parece mais cautelosa. Ao trocar “afirmar” por “indicar”, a Reuters cedeu às pressões do governo, que tenta se desvencilhar da crise gerada pela declaração. Basicamente, livrou Segovia das consequências de ter dito o que disse, sem deixar de trasmitir exatamente a mesma impressão ao leitor.

O verbo “indicar” não passa, nesse contexto, de uma malandragem. A língua portuguesa oferece solução melhor quando o objetivo é estabelecer uma ligação tênue, não necessária, entre dois fatos.

Se, na verdade, Segovia não necessariamente ordenaria o arquivamento, o correto teria sido usar outro verbo: “sugerir”. Tivesse Segovia apenas feito uma “sugestão” sobre o arquivamento do inquérito, em vez de uma “afirmação”, o elo fraco estaria claro tanto para o leitor quanto para o jornalista. Não haveria ambiguidade alguma.

“Sugerir” é bem diferente de “afirmar”. O primeiro verbo estabelece uma intenção que pode não ser realizada; o segundo, uma intenção expressa. Jornalistas costumam não gostar de “sugerir” justamente por isso: a relação é mais tênue, o fato pode não se realizar. É um verbo que não gera manchete como “afirmar”. Mas é o verbo correto a usar quando a intenção é demonstrar cautela.

Isso vale não apenas para declarações do diretor da PF, mas também para estudos acadêmicos, descobertas científicas ou investigações policiais. Ou bem se comprova um nexo forte entre fatos ou eventos – e, nesse caso, um estudo ou investigação “afirma” ou "comprova" seu resultado –, ou então o nexo é frágil – e o estudo apenas “sugere”. Dizer que um estudo “indica” é, novamente, malandragem. Leitores preparados entendem a cautela na conclusão. Para o leitor comum, não faz diferença.

No caso da política, dizer que Segovia apenas “sugeriu” o arquivamento por ainda não haver provas equivale a uma notícia bem mais fraca. O fato relevante, contudo, independe disso: por mais frágeis que sejam as evidências até o momento, não caberia ao diretor da PF se pronunciar sobre um inquérito em andamento. Segovia deveria ter ficado quieto.

Os envolvidos, Temer e o deputado Rodrigo Loures, negam ter recebido propina para favorecer a Rodrimar. A empresa não aparece na versão final do decreto dos portos. Por enquanto, as investigações ainda estão na fase de interrogatório das testemunhas. A Procuradoria-Geral da República nem sequer pediu a quebra de sigilos bancário e de comunicações para verificar eventuais contradições.

A manifestação de Segovia apenas levanta mais suspeitas sobre sua ação na PF. O delegado que conduz o inquérito contra Temer, Cleyber Lopes, foi também o responsável pela investigação que resultou na denúncia do quadrilhão do PMDB e por outra, envolvendo a família Sarney, arquivada por Segovia quando superintendente da PF no Maranhão.

Foi Sarney quem sugeriu o nome de Segovia para dirigir a PF. Ele foi nomeado para o cargo à revelia do ministro da Justiça, Torquato Jardim. Depois de assumir, manteve vários encontros com Temer, dois deles em janeiro, com o inquérito em pleno andamento. Num deles, os advogados de Temer ainda não haviam respondido às 50 perguntas encaminhadas pela PF. Não é possível afirmar nada com base nesses fatos. Mas eles sugerem muita coisa.

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