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Opinião

Crônica em retalhos: acreditar é preciso

03 outubro 2010 - 01h12Por Wilson Valentim Biasotto

Resposta rápida: Em quem você realmente acredita sem pestanejar? Fase uterina: Será que quando habitávamos a “casa muito engraçada/ (que)não tinha teto/não tinha nada” ou seja, o útero materno, já acreditávamos que o mundo exterior seria melhor do que lá dentro? Penso que nenhum de nós se lembre, embora saibamos que desde dentro do útero já recebemos os primeiros ensinamentos para a vida. Principalmente o comportamento de nossos pais não deve nos passar despercebido. O mundo externo ao útero é sensível ao feto que já nasce com um potencial a ser desenvolvido ao longo de seus primeiros anos de vida.

Primeira infância: Ao nascermos, a nossa dependência é extrema. Somos o animal que mais necessita de cuidados de terceiros, especialmente de nossos pais. Talvez dada essa dependência, depositamos nos país a nossa inteira confiança. São eles os nossos condutores, nossos mestres, um misto de sábios e heróis nos quais acreditamos cegamente.

Segunda fase: No ensino fundamental a figura da professora(r) começa a embaçar um pouco a sabedoria de nossos familiares e quanto menor for o nível de conhecimentos gerais de nossos pais mais o professor destaca-se. E isso é uma tradição que vem desde a Idade Média, quando se dizia “magister dixit”, para ressaltar a posição incontestável dos professores.

O livro: No Ensino Médio a nossa confiança transfere-se para os livros. Somos capazes de ler algumas páginas adiante do texto que está sendo ministrado e discutir pontos de vista com nossos mestres. Somos mesmo capazes de ler outros livros complementares (e ultimamente) pesquisarmos na rede da Internet para contestarmos a sabedoria do professor.

A Universidade: Quando estamos avançando em nossos estudos universitários, aí então ninguém nos segura, nossos país são considerados ultrapassados, nossos professores detentores de saber limitado, os livros repletos de conceitos enganosos. Somos nós então os próprios produtores do saber. Ouvimos as pessoas, lemos livros, formamos opinião e fazemos deduções, em outras palavras, produzimos a nossa própria verdade.

Os políticos: Em relação aos políticos cremos que eles podem ser classificados, rotulados. Há os que não prestam e esses reconhecemos logo, há também os que são sinceros dentro de suas maneiras de enxergar o mundo, esses respeitamos e há aqueles que pensam de maneira semelhante à nossa, ou seja aqueles com os quais somos ideologicamente identificados, nesses confiamos.

Os tribunais: Ainda nessa fase universitária já sabemos que não existe ciência neutra, jornalismo neutro, muito menos políticos neutros. Sabemos também que os juízes são formados para defenderem um Corpo de Leis estabelecido justamente para manter a situação vigente, ou seja, os tribunais existem para manter a estabilidade social. Sabemos ainda nessa fase que existem juízes bem e mal formados, juízes incorruptíveis e juízes corruptos, mas acreditamos na Justiça enquanto instituição, enquanto poder soberano.

Os jornais: Um educador, Demerval Saniani, nos ensinou em relação à Lei de Diretrizes de Bases da Educação, algo que vale também para os livros e jornais: “não basta ater-se à letra da lei; é preciso captar o seu espírito. Não é suficiente analisar o texto; é preciso analisar o contexto. Não basta ler nas linhas; é preciso ler nas entrelinhas."

A descrença: À medida que vamos avançando em anos e em saber bate-nos de vez em quando uma descrença total. Enfiamos tudo num mesmo saco, país, amigos, professores, políticos, médicos, padres, pastores, livros, jornais e descremos de tudo. E não somos únicos, esse fenômeno é muito frequente e vem de longe.

Rui Barbosa: Um de nossos mais expressivos tribunos, Rui Barbosa, já não nos disse que: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.

Castro Alves: E o nosso maior poeta romântico, Castro Alves, tão descrente estava que clamou aos céus em “Vozes D'africa”,: “Deus! ó Deus, onde estás que não respondes?/Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes,/Embuçando nos céus?/Há dois mil anos te mandei meu grito,/Que embalde, desde então, corre o infinito…/Onde estás, Senhor Deus?…”

O divinal: pergunta idêntica à de Castro Alves, e muito antes dele, ecoou várias vezes pelo mundo afora e os povos passaram a crer em uma entidade superior capaz de reparar quaisquer injustiças sofridas nessa vida terrena. Tenho observado que a maioria das pessoas mais idosas que conheço, sabe-se lá se por sabedoria ou medo, após tantos sonhos e desenganos, se (re)encontram ou se (re)conciliam com esse Ser, seja ele Alá Buda, Brahma ou Deus, só para mencionar os Entes Superiores das cinco maiores
religiões do mundo.

Processo civilizatório: Ao falarmos em processo civilizatório podemos juntar tanto os dotados de religiosidade quanto os Ateus. Tanto uns quanto outros acreditam que a humanidade ao longo de sua evolução genética deixou registrada uma história de avanços no processo civilizatório. E, não obstante as rupturas, às vezes de longa duração que registramos, caminhamos para o aperfeiçoamento.

A esperança: Somos seres em construção, somos os agentes da história, portanto depende de nós, aliados com as circunstâncias que nos rodeiam, traçarmos o nosso destino. A esperança é chama que não pode jamais se apagar sob pena de acabarmos com tudo o quanto ela nos traz, principalmente o amor. A esperança está em nós e cada povo tem o governo que merece.

Acreditar em nós próprios: Nós, agentes da história, temos no dia 3 de outubro um encontro marcado: as eleições, uma circunstância altamente positiva que nossos antepassados nos legaram e que nos possibilita escolher os homens e mulheres que nos representarão e, em última análise, conduzirão os nossos destinos nos próximos anos. Que a nossa consciência cidadã seja mais elevada que o favorzinho que às vezes nos é oferecido, que a nossa razão possa falar mais alto que a paixão. Que possamos crer em nós próprios para a escolha dos mais capazes.

Suas críticas são bem vindas: [email protected]

O autor é membro da Academia Douradense de Letras; aposentou-se como professor titular pelo CEUD/UFMS, onde, além do magistério e desenvolvimento de projetos de pesquisas, ocupou cargos de chefia e direção.