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Quando o Direito intertemporal desconsidera a personalidade jurídica

02 agosto 2021 - 20h53Por JOSÉ CARLOS MANHABUSCO

Antes de adentrarmos no tema propriamente dito, necessário que se faça uma incursão nos dispositivos do Código Civil. “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber, intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso (artigo 50). Art. 1.003...Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio. Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação”.

O fenômeno da desconsideração da personalidade jurídica ocorre por ocasião da liquidação da sentença, ou seja, na fase da execução, quando a pessoa jurídica não possui patrimônio para garantir a execução. Então, é aí que entra a figura dos sócios.

Antes do advento do Código Civil, não havia limite para a responsabilidade do sócio retirante da sociedade. Após a Lei 13.467/2017, a legislação trabalhista passou a prever o prazo de 2 anos, após a retirada do sócio, para efeito de isenção da responsabilidade quanto a eventual débito para com os empregados, conforme consta no Código Civil.

Entretanto, a questão diz respeito à norma vigente no momento em que o débito foi constituído e ocorreu a retirada do sócio, isto é, a aplicação imediata da norma vigente (momento do julgamento) ou a aplicação do princípio da irretroatividade da lei, prejudicando o direito adquirido (artigo 5º, XXXVI, da CF/88 e artigo 6º da LINDB).

Em um caso concreto, o TRT da 2ª Região, em SP, entendeu que a responsabilidade de ex-sócio só perdura até dois anos após a saída da sociedade, na linha do que diz a CLT, após a reforma trabalhista de 2017.

No caso, a empregada trabalhou em uma empresa de 11/1991 a 04/1998, tendo a saída da sócia ocorrido em março de 1994. A ação foi ajuizada em maio de 1998, portanto mais de dois anos após o desligamento da sócia. Assim, o TRT entendeu não haver responsabilização da referida sócia retirante pelos créditos trabalhistas, decidindo por excluí-la da ação.

Ao julgar a matéria, a 2ª Turma do TST, no entanto, entendeu que tanto o período do contrato de trabalho quanto a data da retirada da sócia se deram antes da vigência da reforma trabalhista. “Assim, é inaplicável a limitação temporal para a responsabilidade da sócia, sob pena de retroatividade da lei em prejuízo ao direito adquirido da empregada”, para complementar que, no caso, a execução trabalhista pode ser dirigida contra a sócia afastada, sem que se tenha de observar o limite de dois anos. Assim sendo, a 2ª Turma do TST reformou decisão que afastava a responsabilidade de ex-sócia por créditos trabalhistas devidos, por já terem passados dois anos da saída da empresária do quadro societário da empresa, tal como passou a prever a legislação após a reforma trabalhista de 2017.

Para o colegiado, todos os fatos ocorreram antes da vigência da Lei 13.467/2017, não sendo possível retroagir os efeitos da reforma para dificultar a execução e prejudicar a trabalhadora. A responsabilidade, então, recaiu sobre a empresária pelo tempo em que ela era sócia e havia o vínculo de emprego com a credora. Acrescente-se que, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica vem disciplinado nos artigos 133 a 137 CPC/2015.

Concluindo, se tanto as obrigações sociais quanto a própria retirada da sócia se deram antes da vigência do Código Civil de 2.002, a aplicação de limitação temporal de dois anos prevista nos artigos 1.003 e 1.032 para a responsabilidade pelas dívidas sociais, bem assim, a aplicação da lei que instituiu a reforma trabalhista, implicariam na ofensa ao princípio da retroatividade da lei em prejuízo de direito adquirido do exequente de ver a execução trabalhista poder ser dirigida contra o sócio. (Fonte: TST).

* É Advogado

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