Menu
Buscarquarta, 24 de abril de 2024
(67) 99913-8196
Dourados
25°C
Opinião

Brumadinho, tragédia anunciada e responsabilidades

04 fevereiro 2019 - 12h22Por Francisco das C. Lima Filho

Ainda vivenciamos e choramos a dor provocada pela tragédia do rompimento da barragem da empresa Vale em Brumadinho – Estado de Minas Gerais, que ceifou a vida de mais de uma centena de pessoas deixando outras tantas feridas e desabrigadas, além de ter provocado um imenso dano ambiental que dificilmente será reparado, e tudo isso cerca de três anos depois do acidente em Mariana que, apesar de ter matado bem menos, igualmente provocou irrecuperáveis danos ambientais atingindo mais de um Estado deixando muitas pessoas sem seus entes queridos, trabalho e moradia como evidencia que vem sendo divulgado pela mídia.

Ao que tudo indica, a tragédia era perfeitamente previsível e poderia ter sido evitada se tivessem sido adotadas medidas de precaução e de segurança e a empresa tivesse aprendido com o acidente de Mariana, o que parece não ter ocorrido, a ponto de a sirene sequer ter sido acionada, e não o foi porque se encontrava instalada em lugar inapropriado, sendo engolida pela lama que vasou da barragem. Se estivesse no lugar devido, teria, se não evitado, pelo menos mitigado os efeitos do rompimento da barragem avisando aos trabalhadores e às pessoas do entorno, em tempo de se retirarem dos locais pelos quais a lama passou devastando tudo o que encontrava pela frente, como demonstram as repetidas imagens que circulam nos meios de comunicação, a evidenciar que não foram adotadas as medidas necessárias para a preservação da vida daqueles que se encontravam nos espaços da própria empresa e no entorno.

Isso demonstra o equívoco do padrão legal regulatório de segurança do tipo de atividade explorada pela empresa que, notória e legalmente é considerado de risco que necessita ser urgentemente alterado.

Uma outra questão que chama a atenção, e isso a mídia tem feito destaque, é o fato de que pelo menos pelo que foi noticiado, seria a própria empresa mineradora a responsável pela fiscalização do cumprimento das medidas de segurança, o que não pode ser admitido, pois nos termos do art. 225 da Constituição, incumbe ao Estado o indeclinável dever de, não apenas exigir, mas também fiscalizar o cumprimento de todas as medidas e protocolos de segurança, inclusive na fase da autorização do funcionamento da empresa que, ao parece não ocorreu, pois como se justificar a autorização da construção de escritórios administrativos e refeitório ao lado da própria barragem sabendo-se dos riscos que isso representava, e mais, inadmissível a instalação de cirene de alerta em local que seria atingido pelo rompimento? Portanto, além da evidente falha da empresa, que no mínimo assumiu o risco de produzir os irrecuperáveis resultados danosos às pessoas e ao meio ambiente, parece não existir dúvida de que o Estado, nos três níveis, se omitiu do dever geral de proteção das pessoas que laboravam na empresa e daquelas que residiam ou trabalhavam no entorno e ao meio ambiente, inclusive aos rios da região.

Assim, de nada adianta prender engenheiros ou outros responsáveis pelos planos de segurança sob a suspeita de terem errado, pois o dever primário de proteção é da empresa e ao Estado incumbe a indeclinável obrigação de fiscalizar a efetiva implementação das medidas de precaução e prevenção de acidentes, pois referido dever decorre do princípio geral do Direito Ambiental, inclusive do Direito Ambiental do Trabalho, que tem o significado de incumbir àquele e organiza e dirige o trabalho se apropriando dos frutos dele produzidos, a adoção de todas medidas, ainda que não previstas em lei, para prevenir contra ocorrência de danos aos trabalhadores, às pessoas do entorno e ao maio ambiente. Portanto, em caso de dúvida sobre o caráter e dimensão dos impactos ambientais de determinada atividade, se deve adotar medidas e decisões em benefício da proteção ambiental e das pessoas que nele trabalham ou habitam, aplicando-se o princípio in dubio pro ambiente, o que parece não ter sido observado, pois a empresa teria se limitado a contratar outra para atestar a segurança do local que, da forma como o evento ocorreu, não foi suficiente para evitar a tragédia, que se poderia dizer, anunciada, máxima quando há três anos outra, embora de menor dimensão tinha ocorrido.

De outro lado, e com o devido respeito, a tragédia põe em xeque o equívoco dos autores da Lei 13.467/2017 que ao alterar a Consolidação das Leis do Trabalho (art. 223=G, § 3º), estabelece, inconstitucionalmente, limitação à indenização do dano moral decorrente de doenças e acidentes de trabalho. Aliás, nesse sentido tive a oportunidade de afirmar no início de 2018 em artigo doutrinário, quando chamei a atenção para esse fato, pois parece evidente que os danos de natureza extrapatrimonial, nomeadamente os psicológicos sofridos pelos trabalhadores atingidos e pelas famílias que perderam entes queridos em virtude de um evento que jamais será por eles esquecidos. Por conseguinte, não pode, evidentemente a indenização ser tarifada e limitada tomando-se por base o salário do trabalhador ou o benefício previdenciário.

Nesse quadro, necessária imediata revisão legislativa dos protocolos e das normas de segurança contra acidentes e desastres ambientais, inclusive aqueles decorrentes das mudanças climáticas pelas quais passa o mundo. Mas, mais que isso, é preciso que o Estado assuma o seu papel não apenas de legislador, mas principalmente de fiscalizador dessas medidas, a fim de se evitar que novos eventos como os Brumadinho e Mariana se repitam e para que não tenhamos nunca mais de chorar a morte de inocentes e nos privar de um ambiente saudável e seguro, garantia de todos, nos termos do previsto no art. 225 da Constituição da República, tudo sem excluir a responsabilização civil e criminal dos culpados, com a indenização integral das vitimas dessas tragédias, além do dano moral coletivo à sociedade pelo dano ambiental.

* O autor é Desembargador do TRT da 24a. Região, Mestre e Doutor em Direito Social pela Universidad Castilla-la Mancha (Espanha)