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Opinião

As crianças, a TV e um equívoco do STF

24 julho 2018 - 22h22Por Eduardo Marcondes

Quem decide o que as crianças podem assistir? Qual é o papel dos pais no acompanhamento dos conteúdos exibidos na TV aberta e por assinatura? E o que acontece quando os pais levam seus filhos para ver filmes com Classificação Indicativa não recomendada para eles? O sistema de Classificação Indicativa, do Ministério da Justiça, existia para ajudar as famílias. Os conteúdos de TV, vídeo, cinema e jogos eletrônicos recebiam uma avaliação indicando a faixa etária que não é recomendada, o que contribuia para que pais e responsáveis possam decidir com mais segurança sobre programas e filmes. Era uma informação que tem como base a avaliação do uso de drogas, cenas de sexo e de violência presentes na obra audiovisual. Se as emissoras de TV não respeitassem o sistema, seriam punidas com penalidades previstas em lei.

O pátrio poder é dos pais e cabe ao Estado (União) e à sociedade promover a conscientização sobre o que as crianças e os jovens em formação não estão preparados para assistir. Crianças e jovens que têm acesso a conteúdo inadequado, permitido por seus pais, podem estar crescendo, mas não amadurecendo na plenitude de seus direitos humanos, propensos a não serem emocional ou psicologicamente sadios. Há um prejuízo quando se tornam adultos que não sabem lidar consigo mesmos e com o próximo em bases de respeito à dignidade.

Através de Nota, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) reagiu com firmeza contra o que pode ser um retrocesso com a chancela do Supremo Tribunal Federal: o fim da Classificação Indicativa. Encerro este artigo deixando para reflexão dos leitores a Nota da SBP por entender ser uma ponderação lúcida do que pode ser, repito, um retrocesso pernicioso para nossas crianças:

“A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), em nome de cerca de 40 mil especialistas na saúde física, mental e emocional de cerca de 60 de milhões de crianças e adolescentes, vê com preocupação o anúncio de estreia, no segundo semestre de 2018, de um desenho animado, a ser exibido em plataforma de streaming, cuja trama gira ao redor de jovens que se transformam em drag queens super-heroínas. A SBP respeita a diversidade e defende a liberdade de expressão e artística no País, no entanto, alerta para os riscos de se utilizar uma linguagem eminentemente infantil para discutir tópicos próprios do mundo adulto, o que exige maior capacidade cognitiva e de elaboração por parte dos espectadores. A situação se agrava com o fim da Classificação Indicativa, decretado com sentença do Supremo Tribunal Federal (STF) que declarou inconstitucional o dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que estabelece multa e suspensão às emissoras de rádio e TV ao exibirem programas em horário diverso do autorizado pela classificação indicativa.

Essa decisão deixa crianças e os adolescentes dependentes, exclusivamente, do bom senso das emissoras de TV e plataformas de streaming, agregando um complicador a mais às relações delicadas existentes no seio da família, do ambiente escolar e da sociedade, de forma em geral.Isso por conta do risco de exposição indevida desse segmento, por meio de programas, como esse desenho animado, a imagens e conteúdos com menções diretas e/ou indiretas a situações de sexo, de violência, de emprego de linguagem imprópria ou de uso de drogas. Vários estudos internacionais importantes comprovam os efeitos nocivos, entre crianças e adolescentes, desse tipo de exposição. Ressalte-se o período de extrema vulnerabilidade pela qual passam esses segmentos, com impacto em processos de formação física, mental e emocional. Sendo assim, a SBP reitera seu compromisso com a liberdade de expressão e com a diversidade, mas apela à plataforma que cancele esse lançamento, como expressão de compromisso do desenvolvimento de futuras gerações. Além disso, a SBP pede aos políticos que, considerando a impossibilidade de recurso à decisão do STF, reabram o debate sobre a retomada da Classificação Indicativa ouvindo a contribuição dos especialistas, o que permitirá encontrar solução que não comprometa questões artísticas e assegure mecanismos de proteção para o público composto por crianças e adolescentes”.

* O autor é Pediatra