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Opinião

Da esplanada para o Supremo

07 fevereiro 2017 - 11h36Por Helio Gurovitz

Nem juiz, nem técnico – mas um jogador que está em pleno gramado, com a bola nos pés. Ao indicar o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, à vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) pela morte do ministro Teori Zavascki, o presidente Michel Temer demonstra o grau de ansiedade que a Operação Lava Jato gera em seu governo.

É possível criticar a indicação por vários ângulos. O mais escandaloso é a quantidade de potenciais conflitos de interesse. Moraes é um político filiado a um partido, o PSDB. Exerce cargo no ministério – ele próprio escreveu em sua tese de doutorado que esse tipo de indicação deveria ser proibida. Para completar, é próximo a um dos mais cotados pré-candidatos à Presidência, Geraldo Alckmin, citado na delação da Odebrecht na Lava Jato.

Como advogado e político, é um eufemismo falar em “tropeços” para qualificar sua trajetória. Está fresco na memória da nação seu papel desastrado na crise penitenciária do início do ano. Uma de suas mentiras, ao negar ter recebido solicitação para envio de tropas federais ao Estado, foi desmascarada com prova documental pela governadora de Roraima.

Moraes antecipou em palestra a ação da Polícia Federal que prenderia o ex-ministro Antônio Palocci. Quinze dias antes da Olimpíada, convocou uma coletiva para anunciar a prisão de suspeitos de tramar atentados terroristas, um caso em que o recomendável era a discrição. Em seu currículo de advogado, figuram como clientes uma cooperativa investigada por ligações com a principal facção criminosa paulista e o ex-deputado Eduardo Cunha.

Seu histórico mistura características de outros ministros do tribunal indicados politicamente. Como Dias Toffoli no momento de sua indicação, tem ligação partidária profunda. Como Gilmar Mendes, atua no governo que o indicou. Verdade que foi promotor e tem inegável qualificação acadêmica, embora inferior à de outros ministros – perdeu um concurso na USP para Ricardo Lewandowski. Mas não foi isso que o levou ao cargo.

A maior questão sobre Moraes está não em seu passado, mas no futuro do STF e da Lava Jato. Vários políticos citados em delações comemoraram a indicação – como o presidente do Senado, Renan Calheiros, o chanceler José Serra e o senador Aécio Neves.

Se aprovado na sabatina do Senado, Moraes será o revisor da Lava Jato no plenário. Ele já se declarou favorável à prisão após condenação em segunda instância, mas também já deu a entender que tem uma interpretação mais branda que os juízes que atuam na primeira, como Sérgio Moro ou Marcelo Brêtas. Para Moraes, crimes ligados a caixa dois eleitoral, prática disseminada e pluripartidária, são menores que os associados a enriquecimento pessoal.

A esperança de Brasília é que Moraes funcione como uma ponte entre o STF e os acusados nesta nova fase da Lava Jato, sobretudo os ligados a PSDB, PMDB e DEM. A turma que quer “estancar a sangria” pressionou Temer pela indicação de seu nome e saiu vitoriosa.

Quem saiu perdendo foi o país, não apenas porque Moraes poderá facilitar a vida dessa turma. Indicações para o STF sempre envolvem vários fatores. Como regra, o tribunal deveria ser ocupado por quem tem a maior competência técnica e o menor comprometimento político. Nomes como Teori Zavascki, Cármen Lúcia ou Celso de Mello. Não é o caso de Moraes.

Quando alguém entra no Supremo movido mais pelas credenciais políticas, ainda mais com a perspectiva de permanecer décadas – pela idade, Moraes pode ficar até 2043 –, é o sentido de Justiça que sai prejudicado.

Além da diligência, que Moraes parece ter de sobra, um ministro do STF precisa concliliar discrição e serenidade para proferir seus julgamentos. São duas qualidades que ele já deu provas de não ter – e afetarão sua atuação muito além da Lava Jato. É possível que, uma vez no cargo, Moraes mude. Mas, a não ser que a toga tenha poderes mágicos, seu retrospecto sugere que será difícil.

Helio Gurovitz é formado em Jornalismo e Ciências da Computação pela Universidade de São Paulo, com pós graduação pela Universidade de Westminster, em Londres.