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"Os dias são pesados, mas vamos nos levantar", diz premiê italiano

24 março 2020 - 02h05

O Governo da Itália decidiu encerrar, temporariamente, todas as atividades produtivas, exceto as que são essenciais para os cidadãos, numa tentativa de conter a propagação do novo coronavírus, que já provocou mais de 4.800 mortes no país. O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, afirmou que esta é uma “decisão difícil”, mas “necessária”, para “enfrentar a fase mais aguda” desta pandemia, que já fez da Itália o país com o maior número de mortos no mundo.

Em entrevista concedida nesta segunda-feira (23) a Andrea Malaguti para o jornal La Stampa, o primeiro-ministro diz que é preciso entender que “não é fácil para ninguém ficar em casa por um longo tempo, mas a responsabilidade e o sacrifício que pedimos aos italianos são absolutamente necessários para conter a propagação do vírus”.

Confira aqui a íntegra da entrevista com tradução do padre Micael Carlos Andrejzwski, acadêmico do Curso de Mestrado em Direito Canônico pela Universidade Lateranense de Roma. Ele é natural de Campina das Missões/RS e atuava na Paróquia de Coxim em Mato Grosso do Sul antes de se transferir para Roma, onde reside desde setembro de 2017:

“Dias pesados, mas vamos nos levantar” - Entrevista ao La Stampa - 23/03/2020

Presidente Conte, Itália permanece fechada até 3 de abril. E depois? Quando esta crise terminará?

“É cedo para dizer. Estes serão os dias mais difíceis, porque ainda não atingimos a fase mais aguda da infecção e os números continuarão a crescer. Nos próximos dias, aguardamos os efeitos das medidas tomadas. Eu disse que eles não seriam vistos imediatamente. As restrições também são aquelas indicadas pelo comitê técnico-científico. Agora, demos um novo passo adiante, encerrando todas as atividades de produção que não são estritamente necessárias ou indispensáveis para garantir os bens e serviços essenciais. Mas muito depende do comportamento responsável de cada um de nós: se todos, e eu repito todos, respeitarem as proibições, se cada um fizer a sua parte, sairemos juntos (rapidamente) dessa situação difícil”.

O senhor tem medo?

“Estou preocupado, como todos os italianos. Mas a responsabilidade que sinto sobre meus ombros multiplica minha coragem e energia. Como ‘Itália das sacadas’, vivo com orgulho esse momento e cultivo um grande desejo de reabilitação (redenção)”.

Está apenas preocupado?

“Estamos diante da crise mais difícil depois da segunda guerra mundial. Até os italianos estão cientes disso. Este é o momento das escolhas, até das escolhas trágicas. Mas, juntamente com o governo, firmamos um pacto entre nós e nossa consciência: reconhecemos como prioridade absoluta a proteção do direito fundamental à saúde dos cidadãos. Estamos cientes de que a estabilidade social e econômica do país também está em jogo. E é por isso que nossas escolhas são sempre muito ponderadas. Com as medidas mais recentes, decidimos desacelerar o motor do país sem bloqueá-lo completamente. Temos semanas muito pesadas pela frente. Isso realmente requer colaboração e um esforço extra de todos”.

Por que a Itália Central e do Sul precisa aceitar as mesmas restrições que no Norte, onde estão concentrados os mortos e os doentes? Os números são profundamente diferentes.

“Estamos tomando todas as medidas consideradas necessárias para conter a epidemia no Centro e impedir que ela se alastre (exploda) no Sul. Com toda a equipe do governo, em colaboração com as autonomias territoriais, também trabalhamos à noite para evitar esse cenário. Os italianos ficam em casa, tanto no Norte como no sul. Não há alternativas”.

O governador Fontana continua dizendo: se o governo não nos ouvir, faremos nós mesmos. Os 30% dos pacientes internados na terapia intensiva (UTI) na Lombardia não conseguem sobreviver.

“Com o governador Fontana colaboramos desde o início, todas as decisões que tomamos foram avaliadas em conjunto, seguindo as indicações do comitê técnico-científico. Todos estamos fazendo esforços extraordinários. Desde o início da emergência, os leitos de UTI aumentaram 50% em todo o país e mais de 70% na Lombardia. E nos próximos dias eles aumentarão ainda mais. Estamos ao lado dos milaneses, dos lombardos e de todos aqueles que lutam nos postos
avançados desta dura batalha. É uma batalha que preocupa todo o país e que deve ser travada por todos, mantendo-se a unidade”.

Que efeito tiveram as fotos dos caminhões com os caixões de Bergamo?

“Essas são as fotos de muitos italianos que morrem todos os dias, todos com nome e sobrenome. Por trás, há histórias de família, lágrimas, sofrimento. Esta ferida permanecerá indelével na história de nossa pátria. Nós nunca podemos esquecê-los. Nas próximas horas, médicos e enfermeiros chegarão a Bergamo e outras áreas mais críticas. Fizemos uma chamada para uma força-tarefa de 300 médicos. Em um único dia, 8 mil entraram. Nisto os italianos são extraordinários. Estamos atualizando as instalações hospitalares existentes e ativando novas instalações. Todo mundo está nos ajudando: médicos, enfermeiros, voluntários, policiais, forças armadas. Inúmeras iniciativas de apoio, muito concretas chegam diariamente do exterior. Estamos fazendo tudo pelas áreas mais afetadas da Lombardia, Piemonte, Vêneto, Emília Romagna e Marche”.

O Piemonte também está entrando em colapso. Os hospitais requerem os equipamentos que faltam?

“Mesmo no Piemonte, de fato, existem territórios inteiros em grande sofrimento. Com a Proteção Civil, estamos constantemente acompanhando a evolução da epidemia em toda a Itália. Com Borrelli e Arcuri e a ação coordenada de todos os ministros, estamos em operação dia e noite para encontrar máquinas e dispositivos necessários para salvar vidas. Nos últimos dias, mais de 6.500 respiradores foram comprados e 120 milhões de máscaras chegarão na próxima semana, graças ao incessante trabalho realizado no exterior. Somente neste dia (segunda-feira - hoje), distribuiremos 4 milhões de máscaras e 125 ventiladores. Dezenas de empresas italianas estão transformando sua produção para responder à emergência, também com o apoio do Estado e os recursos econômicos incluídos no decreto ‘Cura Itália’. O país está respondendo com todas as suas forças. Nós vamos vencer essa situação”.

Quanto tempo o sistema social aguenta essa situação? Eu falo dos cidadãos (de cada cabeça, pessoa). De nossa capacidade de aceitar esse mundo que de repente se tornou uma ‘gaiola’.

“As medidas restritivas introduzidas nos obrigam a mudar nossos hábitos de vida mais consolidados. Eles afetam nossas liberdades mais amadas. Estamos experimentando uma realidade completamente nova nas democracias ocidentais. Estamos seguindo um caminho gradual para resistir a essa emergência, sem (perder) distorcer nossos valores, respeitando nossos princípios democráticos. Mantemos as forças da oposição constantemente informadas e, nestes dias, estarei no Parlamento para informar detalhadamente cada ação. Entendemos que não é fácil para ninguém ficar em casa por um longo tempo. Mas a responsabilidade e o sacrifício que pedimos aos italianos são absolutamente necessários para conter a propagação do vírus. Quem respeita as regras protege a si e a seus entes queridos. Também mostra que respeita o sacrifício daqueles que, como médicos e enfermeiros, colocam suas vidas em risco para salvar a dos outros. Há trabalhadores, transportadores rodoviários, balconistas de supermercados, farmacêuticos que garantem a todos nós bens e serviços essenciais. Digo a todos os italianos: se você ama seu país, fique em casa e proteja-o”.

Qual é o limite entre o respeito pelas liberdades pessoais e as necessidades de saúde pública?

“‘Minha liberdade termina onde começa a sua’, disse Martin Luther King. A saúde pública não é um bem abstrato. Estamos lutando para proteger os cidadãos contra um vírus pernicioso. Protegemos a liberdade de cada cidadão contra doenças e morte. Avaliamos cada escolha com muito cuidado para que cada medida restritiva seja adequada e proporcional ao objetivo que estamos perseguindo. Não impomos restrições para limitar a liberdade de manifestação do pensamento ou a liberdade de reunião. No entanto, pedimos a todos os cidadãos que façam sacrifícios, mostrando um grande senso de responsabilidade para com os mais frágeis e com todo o país.

Nesse ritmo, ultrapassaremos 10.000 mortes até o final do mês. Vocês subestimaram inicialmente a epidemia?

“Com o ministro Speranza nunca subestimamos essa emergência epidemiológica, tanto que imediatamente adotamos medidas rigorosas, estabelecendo uma barreira (cinturão) de saúde para os municípios onde identificamos os surtos iniciais. É também por esse motivo que nosso modelo está sendo (copiado) replicado em muitos outros países hoje. Sempre agimos e tomamos medidas comparando-as com cientistas e especialistas, seguindo o princípio da transparência, máximo rigor, proporcionalidade e adequação. E mesmo a mais alta autoridade mundial neste campo, a OMS, reconheceu repetidamente que fizemos a coisa certa e nos aponta como um modelo a seguir. Agora devemos dar tempo às medidas restritivas para revelar todos os seus efeitos”.

Quanto tempo leva para uma vacina?

“Todo o mundo da pesquisa está em ação (trabalhando). A Itália também está na primeira fila com seus hospitais e institutos de pesquisa. Vários medicamentos estão sendo testados e aplicados, o que parece ser particularmente útil no combate ou na desaceleração da ação letal desse vírus. O tempo da descoberta de uma vacina não parece muito
próximo”.

Presidente, o pacto de estabilidade (subiu) estourou, quanto dinheiro vocês planejam usar imediatamente? E como?

“É um passo importante que, juntamente com o apoio do Bce (Banco Central Europeo), ajudará a proteger e reiniciar a nossa economia o mais rapidamente possível. Usaremos todas as ferramentas úteis para começar a reprender (rodar) novamente, favorecendo medidas de apoio a empresas, famílias e até trabalhadores independentes, e em todos os setores de atividade mais afetados pela emergência. Também estamos estudando outras medidas para fornecer
garantias e financiamento às empresas, graças às novas regras europeias sobre auxílios estatais que acabamos de adotar e aos fundos europeus que ainda não foram utilizados. Já estamos estudando uma intervenção que introduzirá mecanismos para acelerar os gastos com investimentos e que simplificará etapas burocráticas desnecessárias e agilizará as necessárias”.

As projeções sobre o PIB são desastrosas. Alguns estudos falam em -7,5% em 2020. Em que situação se espera encontrar o País após a crise?

“Serão meses difíceis para todos. Mas os italianos são um povo resiliente, que tem em seu DNA a coragem, o orgulho e a força para se levantar novamente. Trabalhamos para restaurar o sistema italiano com o apoio da Europa. Em nossa
história, já enfrentamos muitas dificuldades: estreiteza, desvios autoritários, desastres naturais. Desta vez não abriremos exceções: a Itália, com a ajuda de todos, retomará sua carreira e se sentirá mais forte e mais unida”.

Lojistas (negócios), números do IVA (imposto de renda), trabalhadores, quem pagará mais?

“Esta situação de emergência terá efeitos em todas as várias categorias de empresários e trabalhadores. O Estado fará sua parte intervindo com um plano para apoiar e reanimar a economia contendo medidas extraordinárias. O primeiro objetivo é garantir a liquidez das empresas para ajudá-las a superar essa fase e evitar demissões, a fim de proteger o tecido socioeconômico do país na fase de emergência mais aguda. Garantiremos que ninguém fique para trás, mesmo que seja um desafio difícil”.

Nossa dívida está prestes a explodir?

“Toda a Europa enfrentará uma recessão, o que pressiona as finanças públicas de todos os países. Mas a poderosa intervenção do Banco Central Europeu enviou uma mensagem clara aos mercados: o euro não está em dúvida e os esforços dos países na luta contra o coronavírus serão protegidos. Nenhum Estado-Membro iluda-se de poder vencer sozinho. Precisamos de uma resposta europeia poderosa, eficaz e imediata”.

Os 750 bilhões do Bce serão suficientes para apoiar a economia europeia?

“O Bce criou um escudo protetor, agora cabe aos governos europeus entrar em batalha e defender a economia. Para vence-la o mais rápido possível, devemos dar o próximo passo em espírito de unidade: construir uma rquitetura financeira com o Eurobond no centro, em apoio aos esforços dos países membros ou, em qualquer caso, um fundo de garantia adequado para proteger a saúde e a economia europeia”.

Presidente, o senhor corre (faz exercício físico)?

“Não. Mas qualquer pessoa que deseje realizar atividades físicas deve fazer sozinha e ao ar livre, perto de sua casa. A atividade física contribui para o nosso bem-estar psicofísico, mas nessas condições não pode ser uma ocasião para conhecer ou visitar outros bairros, afastando-se dos nossos”.

Quanta comida há na sua geladeira hoje?

“Nos últimos dias não tive tempo para fazer compras. Quando posso, gosto de fazer isso pessoalmente. Ainda tenho comida por alguns dias. Lembro aos italianos que a comida estará sempre disponível. Portanto, não há razão para correr aos supermercados. Sugiro que todos façam compras maiores, evitando de sair todos os dias, de qualquer forma, evitando os horários mais movimentados”.

Nas pesquisas, seu índice de aprovação/aceitação é alto (búlgaro).

“Quem tem tarefas como a minha, e especialmente diante de uma situação tão difícil para todo o País (comunidade), deve ir além e olhar exclusivamente para o bem da nação. Neste momento, meus pensamentos se voltam apenas para o dia em que os italianos finalmente poderão se abraçar novamente, com a consciência de terem derrotado uma emergência global sem precedentes. Essa experiência vai nos mudar. Caberá a nós retornarmos (voltarmos) melhor do que antes”.

Presidente, como você explicou a emergência do coronavírus ao seu filho?

“Com a verdade, o único caminho a seguir. Estamos passando por um novo período de nossa vida, no qual devemos observar algumas regras estritas de prevenção que ajudam a proteger a nós mesmos. Não devemos ter medo, mas coragem e confiança em todas as pessoas que trabalham para encontrar uma solução e ajudar os outros”.