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Manifestantes denunciam torturas e abusos sexuais na Venezuela

30 junho 2017 - 14h45Por BBC

Eles não se conheciam. E nunca poderiam imaginar que viveriam juntos uma das experiências mais traumáticas de suas vidas.

De acordo com processos judiciais, 10 jovens foram presos no dia 15 de maio deste ano no Estado de Aragua, ao norte da Venezuela, próximo a uma região onde eram realizados protestos contra o governo do presidente Nicolás Maduro.

"Eles foram colocados em fila e forçados a tocar as partes íntimas uns dos outros e a manipular seus órgãos genitais. Davam murros, chutes e golpes com capacetes de proteção usados ​​pela polícia. Foram forçados a dançar Macarena. Aqueles que se recusaram receberam mais golpes. Mas não foi apenas isso que fizeram com eles... ", disse à BBC Martín Ríos, um dos advogados dos jovens.

Segundo ele, essas cenas foram protagonizadas na sede da Polícia Nacional Bolivariana (PNB) em Aragua.

A mais recente onda de manifestações contra o presidente começou há quase três meses. E, até 15 de junho, foram registradas mais de 3.200 prisões, de acordo com o Foro Penal, ONG venezuelana que oferece assistência gratuita aos presos.

Durante essas prisões, houve diversas denúncias de tortura, agressão, abuso e violação dos direitos humanos e da lei vigente por parte das forças policiais do Estado.

Os excessos - muitos dos quais registrados em fotos e vídeos - foram condenados inclusive pelo ministro da Defesa, Vladimir Padrino López.

"Não quero ver nenhum policial cometendo atrocidades na rua. Os oficiais que não tiverem um comportamento condizente com os princípios da instituição devem responder por seus atos", disse López no dia 6 de junho.

A BBC entrou em contato em meados de maio com o Ministério Público (MP) e a Polícia Nacional Bolivariana (PNB), por telefone e por e-mail, para falar sobre as denúncias. O MP informou que, no momento, não estava concedendo entrevistas. A PNB, por sua vez, não tinha respondido até o momento da publicação desta reportagem.

Violência sexual

"O que está acontecendo na Venezuela não tem precedentes na história recente do país, é muito preocupante", disse à BBC Erika Guevara, diretora da Anistia Internacional para as Américas.
"É uma das piores crises de violação dos direitos humanos no continente, devido à gravidade dos fatos, à sistemática dos mesmos, à falta de independência dos Poderes e à impunidade que existe", acrescenta.

Os 10 jovens foram separados na prisão. "E com um deles (cuja identidade será preservada) fizeram algo absurdo e dantesco", disse Ríos.
Segundo ele, o jovem foi obrigado a se ajoelhar e teve os braços imobilizados, amarrados com um cabo na altura dos pulsos.
"Colocaram gás de pimenta e um capuz na cabeça dele. Em seguida, baixaram seu short e introduziram um tubo no seu reto", conta o advogado.

De acordo com Ríos, os outros presos não presenciaram o ato, mas de acordo com seus testemunhos, ouviram-no gritar, chorar e pedir ajuda.

O caso do jovem, de 19 anos, está sendo investigado pelo Ministério Público.

A BBC teve acesso ao processo em que o episódio é relatado e constatou a existência de um documento no qual o juiz do caso pediu que a vítima fosse submetida com urgência a um exame médico.

Ríos garante que os exames confirmaram a violação. E explica que os resultados foram enviados em sigilo ao tribunal e constam no processo e investigações do caso.
"Em casos de tortura, as denúncias feitas nas atas oficiais são provas conclusivas", diz à BBC Alfredo Romero, diretor da ONG Foro Penal.

Liliana Ortega, diretora do Comitê de Familiares de Vítimas (Cofavic), concorda:

"Esse crime procura não deixar rastros. Oficiais de regimes ditatoriais foram condenados, embora nenhuma evidência tenha sido coletada quando os atos ocorreram. A responsabilidade de provar o que aconteceu - ou não - cabe ao Estado, segundo termos das convenções internacionais para investigar casos de tortura, como o Protocolo de Istambul", afirma Ortega.

O caso do jovem detido em Aragua não é isolado.
"Em 70% dos casos registrados, houve algum tipo de abuso sexual: os detentos ficaram nus, foram tocados, obrigado a ficar em posições mostrando suas partes íntimas e alguns foram vítimas de estupro", diz à BBC o advogado Tamara Suju, diretor da Casla, centro de estudos para a América Latina com sede na República Tcheca, que analisa as democracias na região.

Suju entrou com ação no Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda, contra o governo venezuelano, acusado de cometer atos de tortura sistemática, o que constitui crime contra a humanidade.

Golpes

Outro aspecto que expõe os abusos a que são submetidos os presos detidos nas manifestações é o uso excessivo da força por parte da polícia no momento da prisão. Não são poucos os casos registrados.

"Senti o primeiro golpe na cabeça, me deram uma coronhada com um rifle," disse à BBC Carmen Ángel, de 21 anos, que mora em Barinas.

"Eles começaram a puxar meu cabelo e chutar meus joelhos, enquanto batiam na minha cabeça. Foi uma sequência de golpes. Uma das mulheres da polícia me deu um soco no rosto. Eu gritava e chorava ... tive tanto medo que me mijei", completou.

Ela conta que sangrava muito e, por isso, foi encaminhada ao hospital. Chegou algemada e permaneceu assim o tempo todo. Os policiais disseram aos médicos que as lesões foram resultado de uma queda.

"Me advertiram para não falar nada, mas pedi ajuda com o olhar e o médico percebeu. Se não fosse pela equipe médica, que impediu a polícia de me levar do hospital, a história teria sido diferente", afirmou.

Como consequência do espancamento, que aconteceu no dia 11 de abril, a jovem teve fraturas nos dedos e vários ferimentos na cabeça, que precisaram de sutura. Ela sofreu vertigem durante um mês e, quando ocorreu o incidente, ela estava tão tonta que não conseguia ficar em pé sem segurar na parede.

Munição para caçar animais

Andrés, estudante universitário de 21 anos, foi encaminhado ao hospital no dia 18 de maio com nove projéteis de chumbo em suas costas. Os médicos foram incapazes de extrair as balas, usadas para caçar animais, porque estavam entranhadas dentro do músculo do rapaz.

Segundo ele, os disparos foram feitos à queima-roupa em confronto com a Guarda Nacional, braço das Forças Armadas da Venezuela, no norte de Caracas.

Já estava escuro, eram quase 6 horas da tarde, quando Andrés saiu de casa para acompanhar um protesto na vizinhança. Ele se recorda que lançaram bombas de gás lacrimogêneo e começaram a aparecer motos da Guarda Nacional por toda parte.

"As pessoas correram loucamente. Me vi encurralado por um paredão de guardas, que saíram de suas motos. Levantei as mãos e disse a eles que estava desarmado. Acho que eram oito no total. Um deles apontou a espingarda para mim, me virei e senti o tiro", declarou.

"Eles riam e gritavam: 'Chora, seu maricas, você está se borrando de medo, vamos te matar'. Fiquei assustado, o medo tomou conta de mim. Mandaram que eu corresse, as motos começaram a me perseguir, me pegaram e me deram uma coronhada com o rifle. Eu ouvia eles dizerem: 'Atirem'", recorda-se.

Andrés conseguiu escapar com a ajuda de uma mulher que o levou de moto a uma clínica da região.

"Eles tiveram que drenar o sangue dos buracos de bala e, para fazer isso, pressionavam as feridas. Não há palavras para descrever a dor que eu senti", contou.