Escolhido para receber o diploma da edição deste ano do Prêmio “Ildefonso Ribeiro da Silva”, outorgado pela Câmara de Vereadores de Dourados, o professor doutor Paulo Nolasco recorreu à poesia, literatura de vários matizes e ainda homenageou a arte douradense e sul-mato-grossense com os versos de Carlos Fábio e Carlos Marinho retratados na composição “Meu Mato Grosso do Sul”, interpretada por Carlos Fábio e Pacito e que se transformou em um ‘hino’ regional além fronteiras.
Em discurso cautelosamente preparado, porém firmemente pronunciado, Paulo Nolasco foi eloquente na sessão solene de 28 de agosto, imprimiu tons de oralidade e de severidade nas palavras. Marcou posições e soube reconhecer a honraria recebida.
Veja a íntegra do discurso:
“Excelentíssimo Vereador presidente da Câmara Municipal de Dourados, professor Idenor Machado;
Demais Ilustres e nobres vereadores, edis que compõem esta sessão solene;
Professora Lori Gressler, Vereadora e ex-Vice-Prefeita de Dourados;
Professora Giselle Cristina Martins Real, em nome do Magnífico Reitor da UFGD;
Ilustres escritores e confrades da Academia Douradense de Letras;
Escritora Raquel Naveira, que vem de São Paulo para prestigiar esta sessão plenária;
Colegas Professores presentes;
Queridos alunos e ex-alunos
Familiares e amigos;
Servidores desta Casa de Leis;
Público presente:
Bom dia.
Esta mensagem, pelo recebimento do “Prêmio literário Ildefonso Ribeiro da Silva”, inciaia-se com os versos da nossa conhecida canção “Meu Mato Grosso do Sul”:
Andando pelos quatro cantos
Desse nosso estado
Eu pude descobrir
O quanto a natureza é sabia
Tem rios mata fauna e flora
Que nos surpreende
A cada renascer
Se ouço Helena Meireles
Zé Correia ou Zacarias Mourão
Lembro de um baile na fazenda
Sob um pé de cedro
Como isso é bom
Mas se você quiser saber
O quanto há de beleza
Em nosso Pantanal
Se deixe levar na poesia
De Manoel de Barros
Tudo é tão real
Meu
Mato Grosso do Sul
Meu canto é
Todo
Pra você
E ainda, com o verso de Inesita Baroso, na canção O Homem de Miranda: “Esta é a nação linda dos Terenas e dos Caiuás...”
Segundo o cientista francês, crítico comparatista Daniel Henri Pageaux:
“É preciso se voltar para nosso mundo, tal como ele é, para o mundo presentido por Malraux, que sinalizou seu nascimento associando-o aos processos de independência das duas mais velhas civilizações: a Índia de Nehu e a China de Mao. Para Fuentes, não é mais possível pensar a literatura fora do proesso histórico tomado em suas dimensões planetárias (...). este novo humanismo que não poderia confundir-se “com a ideia de herança, de patrimônio. Ou ainda com a mistura de saber e ética que, no entanto, serviu para defender e ilustrar, com força e nobreza, uma certa ideia do homem.” (grifos nossos)
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A disponibilização hoje dos livros em rede de Internet, como o projeto realizado pela Biblioteque de France, dos quais Roger Chartier é um de seus mentores, objetiva a disponibilidade universal do patrimônio escrito, que se torna assim universal, num certo sentido invalidando e tornando obsoleta a própria existência da Biblioteca Nacional. No entanto, todas as alterações, por mais fantásticas que o sejam, têm seus riscos, pois, como afirmou o próprio Chartier: “A transferência do patrimônio escrito para a tela, inaugura imensas possibilidades, mas será também uma violência contra os textos, separados de formas que contribuíram para construir as suas significações históricas.” (Apud, Carvalhal, 2005, p. 5). Assim, a lição de nosso tempo parece ser substancialmente esta: que a “universalização do saber”, facilitada pela tecnologia, não provoque a “separação entre os saberes”, mas, antes, “estimule a interação entre linguagens, o interdiscursivo, o interdisciplinar [....]. Que o adestramento necessário para que pilotemos esse novo instrumental não nos disperse do essencial cultivo da arte de voar, nem que as experiências com o mundo “virtual” não nos distanciem do mundo real.”(Carvalhal, 2005, p. 5 ).
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A indicação do meu nome, por iniciativa da Faculdade de Letras e da UFGD, para o Prêmio Ildefonso Ribeiro da Silva (3ª Edição – 2012) decerto tem a ver com minha atuação em longa trajetória naquela Instituição: são 29 anos desde o antigo CEUD, além de ter concluído ali a minha Graduação em Letras; anos dedicados ao ensino, pesquisa e extensão na cidade de Dourados. Em especial relevância, em meu currículo de professor estão as várias pesquisas orientadas em torno do assunto, o regional, o local e o regionalismo, com prestigiosas contribuições no nível da reflexão crítica em literatura e cultura, dando origem a vários livros de autoria e/ou organizados, além da criação e atuação no Programa de Mestrado em Literatura da UFGD, na área de Literatura e Práticas Culturais, também da UFMS, e com a implantação e ministração da disciplina “Literaturas regionais e sul-mato-grossense”. Dentre as inúmeras dissertações de mestrado e das pesquisas em Iniciação Científica que já orientei, destacam-se as pesquisas que resultaram em publicação, seja sobre a obra da artista plástica Lidia Bais (realizada pelo Professor Mestre Paulo Rigotti – in memoriam); da escritora Eulina de Souza Ribeiro, escrito pela Professora Doutora, maracajuense, Suely Mendonça; dos escritores Bernardo Élis, pela Professora Doutora Gicelma Torchi; de Raquel Naveira (que nos honra com sua presença nesta Casa, cuja obra tem espelhado os temas e dilemas históricos-sociais de nossa fronteira – a guerra do Paraguai e a do Contestado, dentre outros), seja em pesquisa do Professor Mestre Lemuel Diniz, seja na da Professora Mestra Grazzieli Alvez de Lima; além da excelente tese sobre o reconhecido poeta Manoel de Barros, escrita pela Professora Mestra Ana Maria dos Anjos Martins; e ainda a tese sobre Hélio Serejo, a tese sobre o Brígido Ibanhes, esta escrita pela Professora Doutoranda Maria de Lourdes Gonçalves; além de trabalhos publicados sobre os nossos Douglas Diegues, Hernani Donato, Lobivar Matos e, mais recentemente, capítulo sobre o ilustre e imortal Professor Jose Pereira Lins, dentre outros; assim, minha atividade intelectual mostra sua inserção no campo do comparatismo literário e cultural, de onde brotam criativas reflexões sobre nossas literaturas de fronteiras. Tanto é assim que, ao retomar aquelas palavras iniciais do cientista francês, Pageaux, que diz “...este novo humanismo que não poderia confundir-se “com a ideia de herança, de patrimônio. Ou ainda com a mistura de saber e ética que, no entanto, serviu para defender e ilustrar, com força e nobreza, uma certa ideia do homem”, mais posso perceber a justeza dos temas e assuntos que ocuparam a mente de todos os nossos escritores que mencionei; ou seja, todos se voltaram para um ou outro aspecto de nossa vida da fronteira, para o local e o próprio da nossa região, da matéria viva de nossa sociedade atual no seu processo civilizatório. Quer dizer, o enfoque no regional e no local afasta, obliterando, antigas construções ideologizadas/idealizadas acerca de “universal e universalismo”, que tanto empolgou e ainda empolga discursos inflamados, que, geralmente, se fixam numa pseudo-representatividade global da cultura e da civilização, remetendo frequentemente à ideia de uma comunhão universal das nações, de fatos e experiências compartilhadas por um sem número de nações, quando, na realidade contemporânea, não só o mundo encontra-se fractado em um sem-número de demandas e problemas locais, como se não mais a propalada “ aldeia global”; daí, a preocupação frequente nas pautas sobre as questões etnorraciais mais localizadas, como, por exemplo, a problemática indígena que nos afeta de muito perto no estado de MS, em nossa cidade e região de forma candente; as questões de povos e culturas fronteiriços como nossos brasiguaios, a exploração do serviço braçal e subalternidade dos trabalhadores, que, em nossa região vem desde a época da exploração da erva mate tecendo elos com a exploração agropastoril e industrial em grande escala, inflando nossas cidades de um contingente de mão de obra barata, posto que despreparada tecnicamente para uma absorção do trabalho urbano, que requer cada vez mais escolaridade e domínio das tecnologias do saber e trabalho.
Sob vários aspectos, a vida de contingentes de jovens e trabalhadores contingentes de mão de obra barata, encontram-se em condições de miserabilidade e desamparo humanos, o que, diga-se de passagem, constatam-se nas intermináveis e fastidiosas filas para o tratamento médico e hospitalar, para um sistema escolar de ensino despreparado no oferecimento de uma concreta garantia de crescimento e avanço social na conquista dos saberes e das linguagens tecnológicas, sistema escolar e metodologias ultrapassadas, fruto de uma escola e de agentes ainda do século XIX, senão aos moldes do século XVIII...
Enquanto isso, rivalizando com a indigência humana, os governos e o estado querem “construir” mais prédios, mais elefantes brancos; a cada dia uma nova obra se inicia, nem que seja ao custo de sua paralisação e abandono no meio da construção; chegamos ao ponto deplorável de encontrar enormes edifícios, edificações desaparelhados, sucateados, e com servidores desmotivados pela baixa dos salários, que, não custa lembrar, hoje, quase paralisam todo o atendimento da população e funcionamento das instituições. No dia de hoje, para citar apenas o setor das Universidades Federais, contabilizamos cem dias de greve em nível nacional. Talvez, um questionamento no nível da “ficha limpa”, também devia ser feito da seguinte forma – por que, no lugar de tantos projetos de construções de edifícios, inclusive, em alguns casos, de grandes investimentos em prédios que deviam servir à educação e ao melhoramento e avanço do ensino, não se investe como condição, sine qua non, na satisfação e adequação das condições de trabalho e mão de obra, frequentemente de cidadãos concursados, especializados, detentores de títulos que os qualificaram, porém relegados a salários subremunerados, não escondendo seu descontentamento e frustração, quando melhor deveriam prestar seu oficio, com renovado fervor e fé na missão que cada um desempenha.
Enfim, senhores, é hora de revermos nossa própria casa, aquilo que nos é mais familiar, como, por exemplo, um daqueles ideais, o de democracia, que, hoje, parece querer sinalizar que seu uso e aplicação não têm sido assim tão democrático, pois que, em tempo de grandes crises, e decerto que o futuro não se mostra menos sombrio, no lugar de decisões unilaterais, universalistas, tomadas pelos governos, como a da realização de grandes certames e jogos nacionais, como agora quer se exibir no Brasil uma edição dos jogos mundiais, por que não discutir com nossos cidadãos, inclusive dentre aqueles aguerridos futebolísticos que calçam de chuteiras a Pátria, perguntando, qual é a nossa prioridade? O que temos em nossa dispensa e o que continuaremos a ter ou desejaríamos ter após terminado o período de festa, período de confraternização tão momentânea, porém fugaz e traiçoeira como costumam ser todos os jogos de azar.
Finalizo, com sinceros agradecimentos aos mentores/idealizadores deste “Prêmio Ildefonso Ribeiro da Silva”, incluído nas comemorações da semana da literatura e cultura sul-mato-grossenses, em Dourados; um prêmio do povo douradense que, no dia de hoje, homenageia um douradense de nascimento; à Câmara Municipal de Dourados; à Comissão Julgadora pelo reconhecimento; e evoco ao final os versos do poeta Carlos Drummond de Andrade, quando escreve, no belo poema “Mãos dadas”: “Não serei o poeta de um mundo caduco. / Também não cantarei o mundo futuro. / Estou preso à vida e olho meus companheiros. / O presente e tão grande, não nos afastemos. / Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. / O tempo presente é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.”
Muito obrigado”