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Ó o gás! Jingle virou funk, mas quem ficará com o dinheiro do hit?

10 fevereiro 2017 - 11h50Por G1

Ó o gás!". Enquanto o Carnaval se aproxima, cresce a chance de você já ter ouvido o grito do funk feito a partir de um jingle de caminhões de gás. Ouvida milhões de vezes na web (veja um dos vídeos), a música pode ser um dos sucessos da folia de 2017. O hit levou o autor do jingle de 1989, Hélio Ziskind, a fazer novos cadastros no Escritório Central de Arrecadação de Direitos Autorais (Ecad) se identificando como único autor do funk. Mas ele mesmo diz ao G1 que a questão de quem vai receber pelos possíveis direitos ainda não está certa.

Falar do "Funk do gás" parece brincadeira, mas se a piada pegar o pagamento pode ser sério. Veja o exemplo de outro funk que virou meme há alguns anos: "Sou foda" (aquele do "na cama te esculacho") rendeu cerca de R$ 8 mil por mês de direitos autorais para o seu autor e intérprete, o MC Vitin, no auge do sucesso, até 2013. Só que, no caso do "Funk do gás", definir quem criou, gravou e tem direito sobre a faixa não é tão fácil.

Hélio Ziskind, músico de 61 anos, fez o cadastro da faixa "Funk do gás" no dia 6 de fevereiro, se identificando como único autor. Também registrou outras faixas com nomes pelas quais a música ficou conhecida nos últimos meses "Olha o gás", "Ó o gás" e "Óóóh o gaaas". Todas têm apenas seu nome como compositor. Mas entre a composição do jingle por ele em 1989 e a criação do funk como é conhecido no meme atual, muita coisa aconteceu.

Veja a 'linha do tempo' do 'Funk do gás':
1989 - Hélio Ziskind compõe o jingle original, usado pela empresa Ultragaz.

Década de 90 - O jingle se torna popular, tocado em caminhões de gás por todo o Brasil para anunciar a entrega do produto.

Data não definida - Um áudio com um grito de um entregador de gás ("ó o gás!"), sem autoria conhecida, é difundido na internet, especialmente no comunicador instantâneo MSN.

Agosto de 2013 - Primeiro registro de um "funk do gás" achado no YouTube. Vídeo com 30 mil views mostra o grito "ó o gás" e trecho do jingle, mas em arranjo diferente do de 2016.

Julho de 2014 - Vídeo mostra o DJ holandês Hardwell tocar no festival Tomorrowland 2014 a faixa "Ping pong" (ele balança os braços antes de comandar pulos frenéticos do público).

Janeiro de 2016 - Internautas começam a fazer montagens do vídeo de Hardwell, trocando "Ping pong" por músicas como "Baile de favela"- do braço balançando à dança frenética.

Agosto de 2016 - Alessandro Santos, 19, estudante de Vitória da Conquista (BA), posta nova montagem de funk com o antigo grito "ó o gás" e trecho do jingle de Hélio Ziskind.

Novembro de 2016 - Alessandro pega o funk do gás de agosto, faz mais uma brincadeira com o vídeo de Hardwell e posta no grupo de Facebook South American Memes.

Janeiro de 2017 - Amigos de Cubatão (SP) postam um vídeo com o funk montado por Alessandro e imitando os braços de Hardwell. O vídeo faz sucesso, é imitado até pela própria Ultragaz, e o "Funk do gás" passa a ser citado como possível hit do Carnaval de 2017.

Fevereiro de 2017 - A um mês do Carnaval, o autor do jingle, Hélio, cadastra na base do Ecad a música "Funk do gás" e outros títulos semelhantes, indicando que é o único autor.

Quem vai mamar no meme?
Hélio também fez o registro das músicas "Tema Ultragaz" e "Tema musical Ultragaz" no dia 6 de fevereiro. Mas por que estes cadastros não foram feitos em 1989? É que, antes do surgimento do meme e da chance de o "gás" se espalhar por bailes, blocos e até TV e rádio no Carnaval, o compositor nem tinha esperança de ganhar direitos autorais pela execução em caminhões. A explicação: o formato de jingle não gera arrecadação pelo Ecad.

A entidade só cobra pelo uso e repassa aos autores por formatos considerados artísticos, não comerciais. Mesmo assim, Hélio continua sendo o autor da música original. A criação musical é dele, não da Ultragaz. No entanto, como lidar com a execução pública de uma faixa com algumas notas do jingle, batida de funk, uma introdução com formato inspirado em um meme anterior e um trecho vocal de criação e interpretação desconhecidos?

"O Hélio tem direito autoral sobre a composição, e podemos considerar que o funk criado pelo Alessandro é só um novo fonograma a partir da sua criação", diz Daniel Campello Queiroz, advogado especialista em direito autoral, diretor da empresa CQRights. Esta interpretação justifica a atitude do compositor de fazer o registro.

Mas o cadastro como único compositor da faixa com nome "Funk do gás" pode não ser o mais correto. A avaliação de Daniel é a seguinte:

"Neste caso, uma das possiblidades seria definir a autoria do funk em conjunto entre Alessandro e Hélio. Mas isso teria que ser combinado antes. Como o funk foi feito e lançado sem autorização prévia do autor do jingle, a situação fica mais complicada."

A solução mais fácil seria o registro do fonograma da versão funk por Alessandro. Ele, então, arrecadaria como intérprete sempre que sua gravação do funk tocasse publicamente (até um terço de tudo que a música render, com os outros dois terços indo para o autor único registrado).

Mas, para isso, ele precisaria de uma autorização de Hélio para o uso da sua obra. "O correto também seria essa autorização prévia para o fonograma, mas caso seja acordado entre eles no futuro, pode ocorrer a arrecadação tanto da autoria quanto da interpretação", explica Daniel. Caso o dono da voz do "ó o gás" aparecesse e conseguisse comprovar a autoria (hipótese improvável), ele também poderia arrecadar como intéprete.

E o que eles dizem?
O Ecad informou ao G1 que, por enquanto, não há outros registros da música além dos feitos por Hélio. Isso significa que, se nenhum outro cadastro de autoria ou de interpretação for feito, ele vai ficar com 100% da arrecadação toda vez que o "Funk do gás" for tocado neste Carnaval, tanto ao vivo quanto na gravação que ficou conhecida no YouTube.

Se Alessandro ou outra pessoa reivindicar a coautoria da música, o Ecad vai arrecadar, mas interromper os repasses de rendimentos até que as suas editoras entrem em um acordo sobre o crédito correto. Já se outra pessoa (provavelmente Alessandro) registrar só a interpretação, com autorização de Hélio, o Ecad irá repassar os dois terços de rendimento de execuções do funk para Hélio e até um terço para o intérprete.

Em conversa por telefone, Hélio admite ao G1 que a situação é "complexa." e que pode haver "controvérsias". "Do ponto de vista autoral, a gente forneceu para o Ecad os diferentes nomes que essa música tem", justifica o cadastro dos nomes diferentes. Ele diz que o registro foi feito para "identificar que todos esses vídeos que estão no ar têm a minha música ali". Além disso, não é claro o direito de uso de parte do fonograma que foi comprado como jingle pela Ultragaz, diz Hélio.

E grana do Youtube?
O registro do funk poderia também credenciar o dono para arrecadação de direitos por streaming no Youtube e outros sites. Mas a faixa não está no sistema de registro do site do Google, chamado ContentID. Os vídeos do meme no YouTube podem até render dinheiro pelos acessos, caso o canal veicule publicidade do Google. Mas Alessandro diz ter ganhado só US$ 100 dólares até agora.

Alessandro diz ao G1 que não entende das questões legais e não sabe ainda que providência vai tomar. Ele diz que foi procurado pela editora de Hélio para chegar a um acordo sobre o uso do funk, mas não quis informar detalhes sobre a proposta que recebeu. O estudante se mostra mais incomodado com estas novas dúvidas do que animado com uma possível renda. Seu comentário, curto e em tom de lamento, é o seguinte:

"Era só uma brincadeira..."