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Educação

Matemática, o bicho-papão também da universidade

29 dezembro 2010 - 14h41Por Redação Douranews/com ig

Desde a infância, a matemática é vista como o bicho-papão da sala de aula. Contas, fórmulas e figuras geométricas tiram o sono de milhares de crianças e jovens ao longo do ensino fundamental e médio. Depois do vestibular, muitos se libertam da disciplina, mas outros criam traumas que não possuíam. Todos os estudantes dos cursos de exatas – que normalmente escolhem as carreiras justamente por se saírem bem em matemática, física, química – precisam passar pelas disciplinas de cálculo. Mas, segundo os docentes universitários, poucos estão preparados para elas.

As reprovações nas primeiras matérias que envolvem matemática são comuns e criam enormes problemas não só para os estudantes, como também para as instituições. Na Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, em média, cerca de 30% dos estudantes de cálculo, física e química não conseguem passar de primeira por essas disciplinas. Os conteúdos muito distintos dos que são ensinados na educação básica e a quantidade de matérias a cada semestre complicam a vida dos calouros, que ainda precisam se adaptar à falta de cobrança diária dos professores universitários.

Essas disciplinas costumam ser preparatórias para os outros semestres e, uma vez reprovado em uma delas, dificilmente o estudante consegue seguir o currículo dos cursos. Com isso, as universidades se obrigam a oferecer a mesma disciplina inicial a novos e antigos alunos. O problema tem exigido das instituições de ensino soluções alternativas, como tutorias, monitorias, disciplinas intermediárias para nivelamento. E tem provocado também preocupação em algumas escolas do ensino médio, que já começam a trabalhar para facilitar a vida dos próprios alunos no futuro.

Em uma escola particular de Brasília, os estudantes do ensino médio têm a chance de começar a aprender os conteúdos que, em geral, fazem parte dos programas curriculares das disciplinas de cálculo 1. Há quase 10 anos, o professor de matemática Luiz Antônio Rosa Braz decidiu ajudar os seus alunos mais interessados a passar com mais facilidade por essa fase. No horário contrário ao das aulas, sem cobrar nada, ensina parte do que eles terão de aprender nos cursos de exatas.

“Já dei aulas em universidade e sei que os meninos sofrem por falta de base em matemática. Não tenho o mesmo tempo que teria na faculdade aqui para ensiná-los, mas sei que já ajuda bastante”, afirma. Os encontros com o professor Luiz Antônio ocorrem sempre às sextas-feiras, no fim do dia. A proposta é não atrapalhar os estudos dos alunos para o vestibular, as provas da escola ou as atividades extracurriculares, mas, sim, colaborar. “No fim, as aulas são interessantes também para que os alunos vejam se escolheram a área certa.”

Tiago Vidigal, Rodrigo Cardoso, Fellipe Lopes, Gabriela Duarte, Gisele Oliveira e Rodrigo Nunes, todos com 17 anos, participam das aulas com satisfação. Para eles, a oportunidade dada pela escola é imperdível. Todos escolheram cursos de exatas no vestibular e acreditam que as aulas prévias de cálculo serão um diferencial na formação deles. “A gente não vai se surpreender com o que está por vir”, analisa Fellipe. Para Nunes, as aulas funcionam como um passatempo. Ninguém é obrigado a assisti-las.

Os alunos contam que, de agosto (quando as aulas começaram) até o fim do ano, a desistência foi grande. Dos 80 alunos da turma inicial, sobraram perto de 40. “É muito diferente do que a gente aprende em sala de aula, mais aprofundado. Acho que até ajuda no vestibular. Mas muita gente não aguentou”, comenta Fernanda Pimentel, 18 anos, que pretende conquistar uma vaga para engenharia genética.

Ali Faraj, 15 anos, ainda está no 1º ano do ensino médio e já frequenta as aulas de cálculo. Apaixonado por matemática, ele não quis perder a oportunidade de aprender mais, se aperfeiçoar e, quem sabe, se tornar um profissional melhor. “Acho que vou sair do ensino médio mais preparado, com uma visão melhor do assunto”, avalia. “Se outras escolas pudessem fazer o mesmo, ajudaria muito as universidades e os alunos”, diz o professor.

Na academia
As universidades, por sua vez, também estão preocupadas em resolver esse problema. A UnB, por exemplo, criou programas de tutoria para os estudantes com mais dificuldade nas disciplinas iniciais de cálculo, química e física. O número, de acordo com a decana de Ensino de Graduação, Márcia Abrahão, ainda é inferior ao que a universidade gostaria. “É difícil estabelecer uma cultura de atendimento individualizado do estudante”, afirma.

Ao contrário do que acontece com as monitorias, em que um aluno veterano fica à disposição da turma inteira durante determinado período de tempo, no programa de tutoria, professores e estudantes da pós-graduação acompanham, cada um, o desenvolvimento e o rendimento de um pequeno grupo de estudantes. Eles fazem atendimentos individuais, o que dá mais trabalho.

Angelo Machado, professor do Instituto de Química, e Carlos Eduardo Salvador, aluno do mestrado, contam que os universitários chegam sem capacidade de conectar conhecimentos, fazer análises lógicas e não estão preparados para o ambiente de liberdade que encontram na universidade. Mesmo com todo o esforço que fazem para ser tutores dos alunos, ainda não conseguem atendê-los como gostariam.
“Estamos aplicando um questionário para ajudar a identificar as deficiências que eles trazem de formação e podermos focar mais tempo nas dificuldades. Mas é difícil fazer com que eles entendam a importância disso”, comenta Angelo, que coordena um grupo de tutoria na química.

O Decanato de Graduação está estudando também uma nova estratégia, ainda projeto para o futuro. A partir da análise do desempenho dos aprovados nos processos seletivos da instituição, identificar quem precisa de ajuda e já abordá-los no início do semestre. “Estamos analisando com cuidado, não queremos constranger os alunos. Mas pode ser uma boa medida para ajudá-los”, ressalta Márcia Abrahão.

Outra iniciativa que a UnB está tomando é a reformulação da disciplina de cálculo. Além de reduzir a quantidade de conteúdos ministrados, eles estão atualizando os programas de algumas outras matérias dadas para calouros de diferentes cursos de graduação. O sub-chefe do Departamento de Matemática, Mauro Patrão, que cuida das reformas, acredita que as modificações vão ser úteis também para uniformizar o ensino. “Há estudantes que fogem de certos professores porque eles são exigentes, enquanto outros não avaliam direito”, critica.

Para ele, padronizar o que se ensina não significará interferir na metodologia de trabalho de cada docente. O que o departamento quer, por exemplo, é que diferentes professores apliquem a mesma quantidade de provas, e ensinem os mesmos conteúdos. E admite que a parceria com o ensino médio precisa ser mais estreita. “Existe um lapso entre a formação dada aos estudantes e o que se espera deles nos cursos de exatas”, afirma.

Inviabilidade
Para o professor e coordenador de Ensino do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Emanuel Pimentel Barbosa, a má formação na área de exatas é um problema “crônico e antigo”.

A Unicamp instituiu há mais de uma década uma disciplina chamada geometria analítica que, na opinião dele, tem conteúdo que deveria ser do ensino médio. “Isso não existia antigamente, quando cada um já deveria ter essa base, mas hoje os alunos não conseguiriam acompanhar cálculo 1 sem isso”, diz.

No caso do curso de estatística, a medida foi mais recente. Há seis anos, percebeu-se que muitos alunos, embora interessados na área, não tinham a formação básica matemática necessária e instituíram a disciplina “Fundamentos da Matemática”. “É difícil recuperar um aluno que vem com deficiência do ensino médio. Essas medidas tem resultado parcial, mas sem isso os cursos se tornariam inviáveis”, conclui.