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Opinião

A vacinação e a ignorância

23 dezembro 2019 - 12h56Por Eduardo Marcondes

Antes de ser erradicada com o uso maciço de vacinas, no final dos anos 1970, a varíola matou 300 milhões de pessoas, contando apenas o século XX. O sarampo, uma doença altamente contagiosa, foi responsável por cerca de 2,6 milhões de mortes por ano, antes de 1980, época em que começaram as intensas campanhas de vacinação. Já os casos de poliomielite, doença que pode causar paralisia infantil, apresentaram uma queda de 99% desde 1988, quando, mais uma vez, a prevenção com vacina teve início.

Criadas em 1796, pelo médico britânico Edward Jenner, as vacinas deram início a uma revolução na medicina preventiva – tornando possível evitar a ocorrência de doenças letais e contagiosas. Há quem, no entanto, na contramão de todas as evidências científicas, opte por não vacinar seus filhos. A lamentável ideia encontrou abrigo entre um grupo de pais, grande parte da classe média alta, que vem optando por não imunizar os filhos para doenças que deixaram de ser comuns, como o sarampo e a difteria. Alguns por acreditarem em teorias exóticas e fraudulentas, outros por medo de que a vacina prejudique a saúde da criança e outros ainda, por questões ideológicas, pensam resistir ao que seria uma imposição criada pela indústria farmacêutica. Por um motivo ou outro, a irresponsabilidade pode colocar em risco não só a saúde da criança, mas de todos à sua volta, alertam especialistas.

As vacinas que costumeiramente são mais descartadas são a de sarampo, difteria, hepatite B e da gripe. Com o perdão pela sinceridade, trata-se de pura ignorância. Desde a década de 1970 os casos dessas doenças são muito baixos. Esses pais nunca tiveram de lidar, de temer essas doenças, então deixam de vacinar acreditando que o filho não corre riscos.

Há dentro dos programas de vacinação o que se costuma chamar de imunidade de rebanho. A ideia é que quando você vacina, no mínimo, 95% das crianças de uma comunidade, todas ficam protegidas. Nesses 5% restantes, explicam os especialistas, estariam aquelas que por algum motivo não podem tomar vacina. Quando uma criança é vacinada, formas amenizadas ou mortas de vírus ou de bactérias que causam doenças são injetadas dentro do corpo. O sistema imunológico reconhece esses organismos e desenvolve anticorpos contra eles. Esses anticorpos ficam, então, armazenados dentro do batalhão de células de defesa do corpo, para combater a doença em caso de uma exposição futura. Se a criança não é vacinada ela pode se tornar um potencial agente de transmissão e até mesmo iniciar um surto.

Felizmente, o movimento antivacinação ainda engatinha no Brasil. Por conta de um estudo publicado em um dos principais periódicos médicos do mundo, o britânico Lancet, espalhou-se a tese de que as vacinas causavam autismo. O estrago provocado foi grande. Após a divulgação da pesquisa, mais tarde comprovada ser uma fraude perversa, muitos pais optaram por deixar de vacinar os filhos contra as doenças infantis.

A garantia da vacinação está, inclusive, institucionalizada no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Consta no artigo quarto que é dever da família assegurar a efetivação dos direitos à saúde. Embora não haja nenhuma fiscalização que obrigue os pais a vacinar corretamente os filhos, cabe aos pais gerenciar esses direitos, e não dispor deles. Se a criança vier a adoecer em função de uma falha na vacinação, isso pode levar à perda do poder familiar. Os pais podem responder por crime de abandono, omissão dolosa ou culposa.

Há uma diferença entre a escolha pessoal entre diversos tratamentos (que podem ser guiados pelas crenças e filosofias dos pais) e a recusa dos mesmos. Só se pode tomar uma decisão como essa quando há embasamento científico que o fundamente. Não vai vacinar porque tem medo de alguma complicação? Então, tenha todas as provas científicas emitidas por autoridades médicas. Do contrário, os pais correm o risco até mesmo de perder a guarda da criança. Mais do que irresponsabilidade, não vacinar é um crime contra nossas crianças.

* O autor é Médico Pediatra