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A lágrima do soldado

09 novembro 2018 - 14h31

Ao soldado, em combate, não é permitido chorar. As agruras, as privações, as lembranças – tudo! – é encoberto pela explosão das granadas, da artilharia, ou pelo zumbido dos projéteis das metralhadoras, que matracam sem parar.

Dentro da trincheira sente, durante todo o tempo, que está com o corpo sujo, as unhas enegrecidas pelo manuseio do seu armamento e as roupas em frangalhos. Pela falta de banho por vários dias, sem data e sem esperança de conseguí-lo, o soldado sente o fedor do próprio corpo, concorrendo com o cheiro do diesel usado nos engenhos da guerra, somado ao odor das fezes dos combatentes e dos cadáveres insepultos, deteriorando a céu aberto, bem ali, ao seu lado. As mãos sujas e as unhas negras, tomadas pela sujeira da guerra, faz com que tenha nojo delas, até quando precisa coçar-se, onde as parasitas sugam seu sangue.

Na guerra, engolido pelo fragor do combate, o homem civilizado e racional que virou soldado, transmuda-se para uma outra criatura, subordinada agora a um novo condicionamento mental: o INSTINTO (“Instinto: impulso interior, de caráter irracional, que determina no indivíduo grande parte dos seus atos e sentimentos. Faculdade de pressentir, intuição; atos que se ligam à necessidade de sobrevivência”). Importa-lhe tão só sobreviver em meio ao caos que o envolve. Sente-se sozinho e perdido, no meio do nada, por dias e dias dentro de um buraco, alimentando-se com ração enlatada racionada, ouvindo o ronco dos canhões, o martelar das metralhadoras e os gritos dos feridos. Vez por outra, os berros nervosos do comando. Nada acontece para aliviar a tensão.

A única esperança -- já duvidando que possa existir alguma -- é safar-se com vida do monstruoso e irracional evento, que amealhou milhares e milhares de seres humanos comuns e normais e os transformou em soldados, novas criaturas induzidas a matar um semelhante, agasalhados sob um pano, a que chamam de bandeira, a Mãe da Pátria!
Solidariedade, é premissa inarredável em qualquer ajuntamento humano, é princípio fundamental e irrevogável, que norteia e orienta o modus vivendi da raça humana civilizada. Com ela reconhece-se uma criatura similar, à qual deve-se ajuda e encaminhamento. À luz da razão, nada se encontra que justifique, explique ou enseje o homem civilizado, a ter motivos ou razões plausíveis, do ponto de vista lógico, que lhe dê sustento para tal animosidade e ferocidade, na disputa de irmãos contra irmãos -- todos criaturas de Deus!

A megalomania (“super-estimação mórbida das próprias capacidades físicas ou intelectuais; mania de grandeza”) que gera no indivíduo uma ambição desmedida, que lhe apossa do corpo e da alma e gera um modus operandi que extrapola a razão do homo sapiens comum, nociva e funesta, leva-nos a concluir que a megalomania é uma doença, um desarranjo mental, que nasce no seio da política e vai desaguar nos governos de exceção, catalogados como ditadores, indivíduos que estabelecem sistemas de governo (ditaduras) que não admitem oposição.

“A ditadura “não cura nem corrige os vícios que ela denuncia: elimina o mal eliminando a vida. Não substitui a discórdia pela harmonia, mas pelo silêncio, não aperfeiçoa nem educa o indivíduo para o uso delicado da liberdade, comprime-o para o anonimato das massas... A ditadura não é um regime de autoridade, e sim de facilidade; e, ao contrário do que pretendem os ditadores, não se baseia numa qualidade e sim num defeito da criatura humana - Burdeau”. (apud: Teoria Geral do Estado, Darcy Azambuja/1969).

A megalomania leva os ditadores a querer tomar o lugar do Criador. Intitulam-se senhores da guerra e da paz. Embalados pela ambição desenfreada, não vislumbram nenhum limite para a sua nefasta ação contra a sociedade humana civilizada. Induzidos pelo distorcido pensamento de que tudo é possível, não observam os exemplos e as conseqüências registradas nos anais da História Universal, onde se explica que a ambição irracional e desmedida gera as GUERRAS, e para essas guerras, pessoas simples são convocadas e morrem, como soldados. No epílogo, invariavelmente, o DITADOR é enforcado ou fuzilado!

O soldado é um ser humano civilizado e educado, obrigado a tornar-se um animal irracional, um combatente num campo minado e arrasado, onde a regra é matar ou morrer. Dele cobra-se bravura e não se lhe permite chorar. Lágrima de soldado no campo de guerra é quimera, produto da imaginação dos covardes!

O soldado só chora e deve chorar, quando, finalmente, volta para casa e reencontra-se com a família!

* O autor é membro da Academia Douradense de Letras.
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