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Brasil não consegue industrializar a carne e perde com exportações

11 fevereiro 2018 - 13h21

A retenção de um navio com 27 mil bois vivos no Porto de Santos, por três dias, na semana passada, após denúncias de maus-tratos aos animais, chama a atenção para uma discussão econômica: a qualidade das exportações brasileiras. A venda do boi “em pé” é bom negócio para os pecuaristas, mas, para o país, nem tanto.

Dono do segundo maior rebanho bovino do mundo — atrás apenas da Índia, onde o animal é sagrado —, o Brasil exporta carne a US$ 4.200 a tonelada. Pelo boi vivo, os países pagam a metade: US$ 2.100 a tonelada.

O comprador engorda o boi na propriedade e garante emprego no abate, em frigoríficos locais. Parte dos animais serve ainda para aumentar o próprio plantel. Os navios boiadeiros, que partem para países como Turquia, Egito e Jordânia, funcionam no modo charter — não importa quantos animais embarcam, o custo é o mesmo. Isso explica as más condições e a quantidade de bois flagrados numa só embarcação, ‘atolados em estrume’, conforme relata reportagem de OGlobo.

A venda de bois vivos evidencia o aumento da exportação pelo Brasil de produtos primários, ou com baixíssimo grau de manufatura, em detrimento dos industrializados, marca de economias mais desenvolvidas. Apesar do superávit recorde na balança comercial em 2017, o Brasil vende hoje ao exterior mais produtos básicos, mais baratos, portanto, do que dez anos atrás, ainda que o faça em maior quantidade.

“Já fomos melhor no passado. Nosso futuro é recuperar o que já fomos”, constata José Augusto de Castro, presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), ouvido pelo jornal.

Carga tributária

Na avaliação de Castro, na última década o Brasil retrocedeu e assistiu ao empobrecimento das exportações. Em 2007, as vendas de manufaturados alcançaram US$ 83,9 bilhões e representaram 52% das exportações do país. Em 2017, foram R$ 3,7 bilhões menores (R$ 80,2 bilhões), 37% do total.

Os básicos, que estão praticamente na forma em que são retirados da natureza, passaram a liderar as vendas ao exterior — a participação saltou de 32% para 46,4% no período. A fatia dos semimanufaturados, que embutem algum grau de transformação, mas ainda estão longe da forma final de consumo, permaneceu na faixa de 14%.

Segundo Castro, muitos escolhem exportar o produto bruto devido à política tributária, que penaliza a industrialização com impostos como IPI e ICMS. Embora gerem crédito ao exportador, ele diz que é difícil receber os valores.

“O produto primário não paga ICMS. A soja é um exemplo. Já exportamos mais óleo de soja do que hoje. Muitas das nossas indústrias foram para a Argentina. E hoje o Brasil vende principalmente o grão”, afirma.

Ainda de acordo com a reportagem de OGlobo, a venda do boi vivo é vista apenas como questão de oportunidade, já que a Austrália teve seu rebanho reduzido pela seca em 2014. Mas os pecuaristas também enfrentam problemas com a falta de frigoríficos, porque muitos fecharam as portas nos últimos anos.

Fernando Paiva Ribeiro, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), afirma que a soja é um exemplo notável, pois o Brasil desenvolveu a cadeia de produção do óleo. Na última década, porém, enquanto as vendas do grão seguiram em alta, as de óleo de soja recuaram.

“A China investiu para fazer o óleo de soja lá e compra apenas o grão. É um exemplo pontual, mas mostra bem o que aconteceu. Deixamos de gerar o valor da produção industrial”, diz Ribeiro.

Há casos em que o problema é a falta de investimento em novas tecnologias. O açúcar bruto, por exemplo, lidera as exportações de semimanufaturados, em detrimento do açúcar refinado, mais processado. O consultor José Milton Dallari, da Decisão Consultoria, explica que o mercado internacional não aceita mais o uso de soda cáustica no refino e que ainda são poucas as empresas que adotaram novas tecnologias. “Para exportar o açúcar refinado, as indústrias teriam de estar mais bem aparelhadas”, observa.

Segundo o pesquisador do Ipea, houve ainda concentração das exportações em um número menor de produtos, o que aumenta a vulnerabilidade em relação ao mercado internacional. Em 2005, os dez principais produtos da pauta respondiam por 32% das exportações totais. Em 2017, eles representaram quase a metade, 48,1%. Na lista de 2005, havia automóveis, aviões e autopeças. Agora, apenas os automóveis estão entre os dez mais.

“Ao vender produtos básicos, o Brasil foge do problema. Cada setor tem uma história para contar, mas o problema geral é o mesmo: a falta de competitividade da indústria. Nenhum país se desenvolveu sem uma indústria pujante, nenhum baseou sua produção em commodities”, diz Ribeiro.

Exportação e política

Ribeiro diz que a discussão das exportações foi deixada de lado com a crise política, mas precisa ser retomada. Ele acredita que há soluções, como usar a produção agrícola para desenvolver uma indústria de alimentos voltada à exportação, já que temos matérias-primas fartas e baratas.

O presidente da AEB diz que o número de empresas exportadoras está estacionado, na casa de 20 mil. Segundo ele, a estatística só mostra crescimento porque o governo passou a computar também as filiais das grandes companhias, inflando o total. “Não há nada a ser feito de fora para dentro. Só o Brasil pode resolver este problema”, resume.

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