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HU desenvolve força-tarefa para primeira captação de órgãos em Dourados

03 agosto 2019 - 11h43

Uma força-tarefa teve que encarar disputa contra o tempo para a consolidação de um desejo admirável: o processo de captação de múltiplos órgãos de um paciente de 32 anos diagnosticado com morte encefálica na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) Adulto do HU (Hospital Universitário) da Universidade Federal da Grande Dourados. Os familiares, cientes da situação, não hesitaram em autorizar a doação, demonstrando anseio em ajudar outras famílias.

Após 10 dias de internação, oriundo de outra unidade hospitalar, o paciente apresentou suspeita de lesão cerebral irreversível e ausência de reflexos básicos, o que motivou que fossem iniciados os exames para diagnóstico de morte encefálica, realizados pela equipe da UTI Adulto.

Todos os procedimentos respeitaram a legislação vigente e foram baseados em sólidas e reconhecidas normas médicas. Paralelo a isso, foi feita comunicação com a OPO (Organização de Procura de Órgãos) da Santa Casa de Campo Grande, entidade regional ligada à CET (Central Estadual de Transplante) que, em parceria, iniciaram a busca por receptores compatíveis.

A aplicação dos testes foi informada aos familiares, sendo acionada também a Comissão Intrahospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante do HU e o grupo, formado por 14 profissionais de diversas áreas assistenciais, auxiliou na execução do Protocolo de Morte Encefálica, procedimento obrigatório para definição do diagnóstico e constatação do óbito do paciente, realizado no final de julho.

Em conversa com a família, após o protocolo concluído, a Comissão expôs todo o processo que levou à conclusão do diagnóstico, explicando como de fato se configura a morte encefálica, pois, em muitos casos, os parentes têm grande dificuldade em aceitar o falecimento de um ente, já que o coração e os pulmões permanecem em funcionamento mecânico, para a conservação dos órgãos e tecidos.

Conscientes da situação, os familiares do jovem prontamente autorizaram a doação, o que tornou mais ágil a tomada de medidas para que a captação se materializasse. A partir daí, foi iniciado um segundo protocolo, de Manutenção do Potencial Doador, que consiste num conjunto de ações a fim de conservar em condições adequadas o corpo do paciente até que o planejamento da captação possa ser executado.

Corrida contra o relógio

Por meio da realização desse Protocolo, o corpo do doador é monitorado ininterruptamente, de forma que órgãos e tecidos estejam em temperatura e oxigenação ideais e não haja falência. Esse trabalho envolveu todos os profissionais da UTI Adulto, que passaram cerca de 11 horas em estado de alerta, até que o Centro Cirúrgico estivesse preparado para a captação.

“Dentro da unidade, os profissionais da assistência são extremamente capacitados para situações como essa e, confirmada a autorização da família, foi prontamente iniciado o Protocolo de Manutenção do Potencial Doador. Foi um trabalho árduo, que demandou grandes esforços de todos nós, mas muito gratificante em função da causa a que estávamos nos dedicando”, relata o enfermeiro Tiago Amador Correia, responsável técnico da UTI Adulto e membro da CIHDOTT do HU.

Do lado de fora da UTI, mais profissionais de Enfermagem, além de médicos, psicólogos, residentes e acadêmicos atuaram intensamente para que tudo fosse o mais rapidamente manejado. Além deles, motoristas, vigilantes, equipes de higienização e até os colaboradores da cozinha – que ficaram responsáveis pela fabricação de gelo para as caixas de transporte de órgãos e tecidos e a refeição dos participantes – se prepararam para o exaustivo e delicado trabalho que viria pela frente.

Força-tarefa

Ao meio-dia do sábado (27), tiveram início os procedimentos de captação. Integrantes das unidades de Cirurgia Geral e Cirurgia/RPA e CME (Centro Cirúrgico) e da CIHDOTT participaram das quatro horas de atividades, que puderam ser acompanhadas por residentes dos programas Médico e em Área Profissional da Saúde e por acadêmicos de Medicina.

Pelo menos 20 pessoas atuaram dentro do Centro Cirúrgico, incluindo duas equipes, de Campo Grande e de Brasília, que ajudaram na captação e realizaram o transporte dos órgãos e tecidos às instituições de saúde que efetuariam os transplantes. Foram captados rins, fígado e córneas que naquele mesmo fim de semana mudaram a vida de cinco pessoas que aguardavam na fila do Sistema Nacional de Transplantes.

Deram apoio ao deslocamento aéreo dos órgãos e tecidos grupos da FAB (Força Aérea Brasileira) e do Setor de Transporte Aéreo da Casa Militar do Governo de Mato Grosso do Sul.

“Para nós da equipe assistencial é muito compensador participar de um processo como esse e proporcionar melhoria de vida a outras pessoas, já que frequentemente vivenciamos situações em que pacientes por nós assistidos e encaminhados a centros de transplantes, nem sempre têm a chance de uma nova vida e falecem esperando por um órgão”, afirma a psicóloga Francyelle Marques, profissional da UTI Adulto e também membro da CIHDOTT.

Comunidade consciente, diálogo aberto

Além do trabalho interno junto à família e à equipe assistencial, antes e durante os processos de captação de órgãos e tecidos, a CIHDOTT desempenha uma importante tarefa na comunidade da região da Grande Dourados, levando informação e conscientização para fora do hospital.

Instituída em 2012 no HU, a Comissão atualmente composta por médicos, profissionais de Enfermagem, psicólogas e assistentes sociais de diversos setores, desenvolve um trabalho fundamental, não apenas na organização do processo de captação e no acolhimento das famílias de doadores, “mas também na sensibilização da população sobre o assunto, sobre a importância do diálogo acerca da doação entre os familiares”, explica a coordenadora da CIHDOTT, a enfermeira Ityara Moretti Beltrame Tomita.

Nos últimos meses, os integrantes se desdobraram na participação em eventos públicos e realização de palestras educativas em escolas, como forma de descontruir os mitos em torno da doação de órgãos e tecidos e fomentar a conversa nas famílias.

No núcleo familiar do jovem doador, o diálogo se deu a partir do momento em que se depararam com a situação. De acordo com Ityara, eles buscaram informações na internet e, em seguida, demonstraram desejo em autorizar a doação se o quadro do paciente permitisse, o que acabou se concretizando.

Em relato, uma das familiares [não identificada por motivos legais] expressa que, apesar do sofrimento vivido, a doação tornou mais fácil a assimilação da morte. “Mais do que nunca, sua vida teve um propósito. E essa experiência foi um incentivo a toda a família, pois nunca tínhamos conversado sobre a doação e passamos a ter um diálogo aberto sobre o tema”, disse. (Com assessoria)