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O coronavírus e o negacionismo

09 abril 2020 - 20h57Por FAUSTO MATTO GROSSO

A crise do coronavirus, em alguns aspectos, nos remete a Idade Média, à “idade das trevas”, com a disputa entre a luz e a escuridão. Naquele período, a dominação religiosa impedia o desenvolvimento da razão, das artes e das ciências, criando uma era de atraso e primitivismo. É desse período de terror da Inquisição, a condenação à fogueira de Giordano Bruno, frade dominicano, filósofo e teólogo italiano, por prática de heresia, por defender teorias científicas, principalmente astronômicas, contrárias às da Igreja Católica.

Quando pensávamos que tudo isso tinha ficado para trás, em plena sociedade do conhecimento, ressurge a epidemia da negação da ciência.

Negacionismo é o nome que se dá à rejeição de conceitos básicos, incontestáveis e apoiados por consenso científico, em favor de ideias obscurantistas, radicais e controversas. É um tipo de narrativa que não tem base no conhecimento e nos fatos e trabalha apenas com o objetivo de negar incômodos da realidade.

Temos negacionismo para todos os gostos. Há os que duvidam do papel do homem no aquecimento global, apontando para um complô dos países desenvolvidos para frear aqueles que estão em desenvolvimento. Há os criacionistas, que travam uma disputa cultural, política e teológica sobre as origens da Terra, da humanidade, da vida e do universo.

Duvidar que o homem foi à Lua, como acontece com 25% dos brasileiros, ou ter a convicção de que a Terra é plana, pode soar como motivo de piada, algo apenas cômico e inofensivo. Mas as desenfreadas crenças nessas narrativas esdrúxulas têm sido apontadas como um risco à democracia moderna. Afinal, o estrago provocado pelo negacionismo não se reduz ao que se nega, representando também uma quebra de confiança em relação às instituições e um dissenso acerca de temas que já são consensuais. A democracia não funciona, sem confiança nas instituições, inclusive nas científicas. A ciência é principal forma de compreender o mundo e atuar sobre ele, sob pena de vermos consensos universais serem trocados por crendices.

Esse processo de regressão histórica e cultural que temos presenciado, raramente é espontâneo. É na maior parte fomentado por grupos financiados e promovidos por fabricas de idéias (think tanks) conservadoras, grandes indústrias e poderosos políticos e formadores de opinião.

No caso brasileiro, grande importância tem sido exercida pelo influenciador digital, ex-astrólogo, ideólogo da nova direita brasileira, autoproclamado filósofo, Olavo de Carvalho, que inspira o Presidente e seus filhos. Adepto da teoria da conspiração, entre as suas proezas intelectuais afirma, com todas as letras, que o nazismo é de esquerda. Olavo é um santo guerreiro, montado no cavalo da ignorância, na sua luta mortal contra o dragão do “marxismo cultural” que ele enxerga onde houver claridade.

Amparado por essa retaguarda ideológica é que o governo Bolsonaro, com o seu “negacionismo histórico” da ditadura e apologia de torturadores, já produziu diversos vexames nacionais e internacionais nas áreas de meio ambiente, educação, cultura e relações internacionais e vem tentando descredenciar a história, a ciência em geral e a inteligência.

Na atual crise do coronavirus, o negacionismo tem obrigado o ministro da Saúde a dispensar tempo e energia, que seriam mais úteis no combate à doença, à luta em defesa da ciência.

Desde o seu autodesterro em Richmond, nos Estados Unidos, Olavo de Carvalho, que nomeou ministros e controla a área ideológica do governo, tenta agora destituir ministros. No dia em que escrevo (8), o autoproclamado filósofo, do alto da sua teoria da conspiração, critica a “passividade dos generais” e declara que o ministro da Saúde deveria ser preso porque, junto com os governadores querem manter as pessoas em quarentena, para destruir a economia brasileira.

Haja escuridão. Será que precisaremos ter um novo Giordano Bruno, nesta idade média que escureceu o Brasil em pleno século 21?

* O autor é Engenheiro e professor aposentado da UFMS

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