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Opinião

OPINIÃO - As leis contra a violência à mulher produziram os efeitos almejados?

12 março 2019 - 13h22Por Francisco das C. Lima Filho

A violência sempre existiu desde os primórdios da humanidade, o que mudou foram apenas os requintes com que é praticada. A escravidão é um exemplo desse fenômeno, inclusive no Brasil, que escravizou os negros por cerca de trezentos anos com atos de violência e de extrema crueldade.

As causas da violência são as mais variadas e quase sempre estão ligadas a preceito de raça, gênero, condição social, origem, sexo, orientação sexual, compleição física, entre outras.

Todavia, podemos afirmar que, verdadeiramente, as causas da violência e da discriminação residem, na grande maioria das vezes, no puro e cru preconceito, ou seja, num juízo sedimentado desqualificador de uma pessoa em virtude de uma característica que ela possua, determinada externamente, e identificadora de um grupo ou segmento mais amplo de indivíduos.

Entretanto, e como alertou Flávia Piovesan (**) em memorável palestra proferida no XXII Encontro dos Juízes do Trabalho do Rio Grande do Sul, em 2011, em verdade a verdadeira causa da discriminação e, como consequência, da violência é:

A profunda desigualdade econômica e social que caracteriza a América Latina tem como marca a etnicização e a feminização da pobreza. Observa-se que os critérios de gênero e raça atravessam os diferentes níveis de reprodução da desigualdade e exclusão social. A pobreza e a desigualdade econômico-social afetam de forma desproporcional as mulheres, as populações afrodescendentes e povos indígenas na região.

Essa realidade de pobreza e de desigualdade (econômica, social e cultural), enfim, de carências, se mostra evidente no Brasil, especialmente em algumas regiões e nas periferias das grandes e médias cidades, especialmente no atual quadro de desemprego com certa de doze milhões de desempregados, sendo uma das mais importantes causas de discriminação de certos segmentos vítimas da segregação social e da violência como os negros, os indígenas, os nordestinos, as mulheres, os homossexuais e outros segmentos.

Uma das maiores vítimas desse criminoso tipo de tratamento é a mulher, especialmente a mulher negra desempregada que, não raro, são vítimas de violência do marido, do namorado, do companheiro e às vezes, infelizmente, do próprio pai.

E isso decorre, especialmente de uma cultura machista que foi arraigada em parte da sociedade que vê a mulher como um ser inferior, objeto e não sujeito de direitos, que tem atravessado os séculos, em que pese todo um arcabouço jurídico interno, partindo do Texto Maior, e internacional protetivo da mulher como as diversas Convenções Internacionais de Direitos Humanos das quais o Brasil é signatário.

No âmbito interno vale citar, à guisa de exemplo, os seguintes diplomas legais de proteção dos direitos da mulher:

• Lei nº 13.718, de 24/09/2018, altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, tornar pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelecer causas de aumento de pena para esses crimes e definir como causas de aumento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo;
• Lei nº 13.641, de 03/04/2018 – Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para tipificar o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência;
• Lei nº 13.642, de 03/04/2018 – Altera a Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002, para acrescentar atribuição à Polícia Federal no que concerne à investigação de crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres;
• Lei nº 13.104, de 09/03/2015 – Altera o art. 121 do Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1o da Lei de Crimes Hediondos, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos;
• Lei nº 11.340, de 07/08/2006 – Lei Maria da Penha, cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher
• Lei nº 10.778, de 24/11/2003 – Lei da Notificação Compulsória dos casos de violência contra a mulher que forem atendidos em serviço de saúde pública ou privada;
• Lei nº 12.015, de 07/08/2009 – Dispõe sobre os crimes contra a dignidade sexual;
• Lei nº 12.845, de 01/08/2013 – Dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual;
• Lei 13.285/2016, de 10/05/2016 – Dispõe sobre a preferência de julgamento dos processos concernentes a crimes hediondos;
• Resolução nº 1, de 16/01/2014 – Dispõe sobre a criação da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher do Congresso Nacional;
• Lei Estadual nº 14.478, de 23/01/2014 – Dispõe sobre o monitoramento eletrônico de agressor no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul;
• Código Penal Brasileiro – Decreto-Lei nº 2.848, de 07/12/1940;
• Constituição Federal, parág. 8º/art. 226 – Dispõe que o Estado criará mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares;
• Lei Orgânica da Defensoria Pública (Lei Complementar nº 80, de 12/01/1994);
• Decreto nº 9.586, de 27 de novembro de 2018 – Institui o Sistema Nacional de Políticas para as Mulheres e o Plano Nacional de Combate à Violência Doméstica;
• Decreto nº 7.958, de 13/03/2013 – Estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde;
• Decreto nº 7.393, de 15/12/2010 – Dispõe sobre o funcionamento do Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher;
• Decreto nº 1.973, de 01/08/1996, que promulgou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, Belém do Pará, 09/06/1994);
• Decreto nº 89.460, de 20/03/1984, que promulgou a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Contra a Mulher/CEDAW, 1979);
• Decreto nº 5.017, de 12/03/2004, que promulgou o Protocolo de Palermo (Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças);
• Decreto nº 678, de 06/11/1992, promulgou o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22/11/1969).

Infelizmente todo esse conjunto normativo ainda não conseguiu impedir a violência contra a mulher como demonstram os inaceitáveis números de atos de agressão e mesmo de assassinatos de mulheres, especialmente nesse início de ano em todo o país, inclusive neste valoroso Estado de Mato Grosso do Sul, a evidência que a sociedade padece de uma verdadeira anomalia social, de ódio e de não aceitação das diferenças que terminam alimentando os atos de violência.

Nesse particular, importante trazer os dados a respeito da violência contra a mulher no mundo e no Brasil, revelados por pesquisas feitas em 2016/2017 por Kering Foundation a nível mundial, e pelo Datafolha (em pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança) no Brasil), que além de extremamente preocupantes, revelam um alarmante quadro de violência contra a mulher, publicados novembro de 2017 nos seguintes termos:

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO MUNDO:

• A casa 2 segundos, uma garota de menos de 18 anos é forçada a se casar.
• 1 em cada 3 garotas de 13 a 15 anos sofrem com bullying regularmente.
• 15 milhões de adolescentes de 15 a 19 anos já sofreram abuso sexual.
• 9 milhões destas garotas sofreram abuso sexual nos últimos 12 meses.
• 1 em cada 4 garotas dos EUA sofrem abuso sexual antes de completarem 16 anos.
• 1 em cada 5 jovens sofrem abuso sexual dentro das universidades dos EUA.
• 1 em cada 4 adolescentes do Reino Unido sofrem violência física pelos seus próprios namorados.
• 1 em cada 4 adolescentes francesas são vítimas de assédio pela Internet.
• 70% das mulheres refugiadas são vítimas de violência ao longo da vida.
• 31,5% das mulheres e garotas italianas são vítimas de violência física ou sexual.
• 43% das mulheres europeias já sofreram de assédio moral ou violência física pelos seus parceiros.
• 200 milhões de garotas e mulheres já foram obrigadas a passar por mutilação genital.

No Brasil esses números não são muito deferentes. Nesse sentido, a pesquisa revelou:

• 503 mulheres brasileiras são vítimas de agressão física a cada hora.
* Entre as mulheres que sofreram violência, 52% se calaram. Apenas 11% procuraram a delegacia da mulher.
• Em 61% dos casos, o agressor é um conhecido; em 19% das vezes, eram companheiros atuais das vítimas.
• 43% das agressões ocorreram dentro das casas das vítimas.
• 40% das mulheres acima de 16 anos já sofreram algum tipo de assédio.
• 5,2 milhões de mulheres já sofreram assédio em transporte público.
• 20,4 milhões de mulheres j[a receberam comentários desrespeitosos nas ruas.
• 2,2 milhões de mulheres já foi beijada ou agarrada sem consentimento.
• 10% das mulheres já sofreram ameaça de violência física.
• 8% das mulheres sofreram ofensa sexual.
• 4% receberam ameaça com faca ou arma de fogo.
• 3% (ou 1,4 milhões) de mulheres sofreram espancamento ou tentativa de estrangulamento e 1% levou pelo menos um tiro.

E aqui, em Mato Grosso do Sul, os dados revelados por reportagem de uma emissora de televisão são realmente alarmantes e foram agravados sobremaneira nesse início de ano, que merecendo profunda reflexão por parte do Poder Público, à medida que a legislação tutelar da mulher não tem sido suficiente para impedir que a violência contra ela continue aumentando, inclusive com a urgente necessidade de se criar e executar outras medidas além das legais, pois, com o devido respeito, parece que estamos atacando apenas as consequências do problema, o que não é suficiente para prevenir esse tipo de agressão.

Necessário também, e ao mesmo tempo, a instituição de programas de educação, ou melhor, de reeducação do agressor para que seja conscientizado da gravidade desse tipo de comportamento criminoso, pois demonstrado que as medidas punitivas não têm esse condão. E nesse sentido, louvável a iniciativa de uma nobre Magistrada do Tribunal de Justiça deste Estado em lavar para os locais de trabalho palestras de esclarecimentos dos trabalhadores a respeito das normas criminalizadoras desse tipo de conduta, mas, mais que isso, conscientizá-los quanto à necessidade de respeito à mulher.

Também não se pode perder de vista que além da cultura machista, que em muitos casos a agressão à mulher é fruto de condições sociais, de miséria, alcoolismo, uso de drogas, desemprego e outras que a mera punição criminal do agressor, sempre indispensável e importante, não consegue resolver.

Desse modo, ao lado e juntamente com a legislação que incrimina a agressão da mulher, indispensável atacar as causas do problema que, infelizmente, com poucas exceções sempre louváveis, não tem ocorrido.

De nada adianta encarcerar o agressor se ele não for reeducado para retornar à sociedade com uma nova visão, pois se assim não for feito, retornará a agredir e quem sabe agora, com novos requintes, pois a ninguém é dado desconhecer o que se passa nas prisões do pais.

Desse modo, o Estado precisa adotar políticas públicas de inclusão social e econômica da mulher fortalecendo-a de modo que possa denunciar os atos de violência sem receio de ser morta, mas e ao mesmo tempo, conscientizar os homens quanto à necessidade da mudança de conduta que deve ser pautada pelo respeito e pelo amor, esses sim os mais importantes instrumentos para mudar o padrão machista e discriminatório da mulher que há séculos infelizmente reina em parte da sociedade brasileira.

Como lembrava Madre Tereza de Calcutá, “a falta de amor é a maior de todas as pobrezas”.

* O autor é Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 24a. Região

**PIOVESAN, FLÁVIA. Direito ao trabalho descente e proteção internacional dos direitos sociais. In: Cadernos da AMATRA IV. Porto Alegre: HS Editora, n. 16, 2011, p. 20-54.