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O que sobrou para o astro Asa Branca: esperar a morte admitindo que torturava animais

12 outubro 2019 - 11h15

Para a dupla de amigos de longa data acostumada a se encontrar em hotéis de luxo e diante de arenas de shows com público de 100 000 pessoas, o cenário da vez era bem diferente — um apartamento de 60 metros quadrados dentro de um condomínio modesto de Guarulhos, em São Paulo. Um dos principais ídolos sertanejos do Brasil, Sérgio Reis foi ao local para visitar na semana passada Waldemar Ruy dos Santos, o Asa Branca, o maior locutor da história dos rodeios do país.

Deitado, de pijama, com uma sonda na narina esquerda, conforme mostrou a reportagem da revista Veja do dia 4 deste mês, que acompanhou essa nova fase do ídolo das arenas e parque de diversões, há vinte dias, uma junta médica deu o diagnóstico: o retorno de um tumor em pontos da garganta e na base na boca. Levando em conta o histórico de saúde do paciente, que é portador do vírus HIV e tem oito válvulas na cabeça em decorrência de uma criptococose contraída em 2013, os especialistas avaliaram que ele não aguentaria se submeter a sessões de quimioterapia nem muito menos a uma cirurgia.

Asa Branca vive sob cuidados paliativos, quando não há mais esperança de cura e os tratamentos se destinam a minimizar as dores. “Vim aqui, meu amigo, me despedir de você”, disse Sérgio Reis ao colega, descreve a publicação.

Sedado com um coquetel de potentes analgésicos, que lhe são ministrados a cada quatro horas, Asa Branca, de 57 anos, enfrenta com coragem a situação e tem aproveitado o tempo para refletir sobre o passado. No auge da carreira, chegou a faturar mais de R$ 300 000 por mês em cachês e namorava famosas como a modelo Alexia Dechamps e a atriz Isadora Ribeiro. Sua marca registrada era descer de helicóptero no meio das arenas lotadas. A queda veio no mesmo ritmo da ascensão alucinante.

Esbanjou para valer com farras e drogas (“cheirava cocaína quase todo dia”, confirma) e ficou conhecido como o “Tim Maia dos rodeios”, depois de faltar a muitos compromissos. Se pudesse voltar atrás, conta que teria evitado o vício no pó (“a ‘muierada’ e as baladas eu faria tudo de novo”) e a gastança desenfreada de dinheiro, como descreve o jornalista João Batista Jr para a Veja.

O maior arrependimento, no entanto, está relacionado à participação em espetáculos em que os animais eram maltratados — por ele e pelos outros peões, com incentivo dos organizadores dos shows. Ao fazer vistas grossas a isso em troca da fama, acredita Asa Branca, um castigo divino caiu sobre ele na forma da sucessão de problemas de saúde. “Estou pagando toda a dor que causei e incentivei os outros a causar nos bichos dos rodeios”, diz, com a dicção bastante prejudicada pelos tumores, sem um pingo de vestígio da voz potente que lhe garantiu sucesso e fortuna nos anos 90.

asa branca rodeio

Na arena de rodeios, microfone sem fio em punho, vendo os animais sofrerem: 'seguraaaaaa, peão'!

Quando era aprendiz de peão, ele amarrava arame farpado em pneus para depois jogar no pescoço de cavalos. O sangue escorria pelas crinas enquanto os animais saltavam com dores. Após um tombo em que quebrou quatro costelas e perfurou o pulmão, mudou de ramo. Depois de uma temporada como imigrante ilegal no Texas, nos Estados Unidos, trouxe na mala um microfone sem fio. O negócio era uma novidade na época no Brasil, e Asa Branca utilizou-o para começar a narrar os espetáculos dentro da arena, em vez de ficar em cima de um púlpito, como faziam seus concorrentes. Com o famoso ‘seguuuraaaaa, peão!’ revolucionou o ofício e tornou-se o mais famoso profissional do gênero no país, justamente no momento em que esses eventos começaram a ganhar musculatura e a se espalhar pelo território brasileiro, junto com o ‘estouro da boiada’ da primeira leva de astros sertanejos.

“Dos rodeios grandes aos pequenos, a festa era de alegria para o público, mas de dor e sofrimento para os bichos”, conta Asa Branca. Ele diz ter visto competidores usar um aparelho para emitir choques de 12 volts com o objetivo de fazer com que os bois saltassem de forma mais frenética, para garantir boas notas diante dos juízes. Havia também tropeiros que colocavam arames no sedém [a faixa de couro enrolada na região da virilha do animal] com o mesmo objetivo. “Eu via tudo isso na época, mas não me importava”, reconhece. Ao se despedir do amigo, após a visita, invocou o resto que lhe sobra de orgulho próprio para tirar o pijama e fazer uma foto com Sergio Reis vestido com o velho chapéu de caubói. Ambos choraram, conclui a reportagem de Veja.