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Tragédia na boate Kiss que matou 242 pessoas completa cinco anos, data de julgamento segue sem defin

26 janeiro 2018 - 12h38Por Daniel Favero/G1

Há cinco anos, a boate Kiss foi consumida por um incêndio em Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul. A tragédia de 27 de janeiro de 2013 interrompeu a vida de 242 pessoas e mudou a de outras tantas. O total de feridos chegou a 636.

Em 2017, os desdobramentos mais significativos envolvendo o caso ocorreram nos tribunais, em situações distintas. Primeiro houve a absolvição de pais de vítimas processados por calúnia por promotores. Depois, veio a decisão da Justiça de não levar os quatro réus a julgamento popular - quando a comunidade contribui com a sentença do juiz. O Ministério Público recorreu.

Foi também em 2017 que ocorreu a desapropriação do prédio onde funcionava a Kiss pela prefeitura, e também a construção de um memorial no local. Atendendo a um pedido dos familiares das vítimas, porém, a destruição foi adiada pela prefeitura.
Sobre o julgamento, ainda não há data definida.

Reviravolta judicial

A determinação de levar os sócios da boate Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira Marcelo de Jesus do Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão a julgamento popular ocorreu ainda em julho de 2016. Desde então, os advogados dos quatro recorreram e conseguiram decisões favoráveis.

Em dezembro do ano passado, durante a análise de um recurso judicial chamado embargo infringente, os desembargadores do 1° Grupo Criminal do Tribunal de Justiça mudaram os rumos do processo.

A votação desse recurso terminou empatada em 4 a 4, mas o presidente concluiu atendendo ao pedido dos réus, de que não houve dolo, ou seja, que eles não assumiram o risco de matar.

A decisão retira o julgamento popular - quando pessoas da comunidade contribuem par aa sentença do juiz. A sentença, por enquanto, fica a cargo do magistrado responsável pelo processo em Santa Maria, Ulysses Fonseca Louzada, que poderá condená-los por homicídio culposo (sem intenção) e incêndio.

A situação parece não ter impressionado os pais dos jovens mortos no incêndio, que desde o início do processo reclamam da forma como o caso tem sido conduzido pelo Ministério Público, apesar de o órgão já ter recorrido para manter o júri.

Consequência da falta de responsabilizações

"Não tem reviravolta [nos tribunais], o pior nesses cinco anos foi quando o Ministério Público disse que ia colocar todos no processo, mas não fez, e isso tudo está se refletindo", desabafa o presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Sérgio Silva.

Ele se refere aos 16 indiciados pela Polícia Civil e a outras responsabilizações de servidores da prefeitura e do Ministério Público. Porém, das oito pessoas que foram denunciadas à Justiça, quatro se tornaram réus por 242 homicídios e 636 tentativas de homicídio.

"Isso agora é consequência daquele ato, porque se arquivou o processo de improbidade [...] Esse momento em que o tribunal disse que não vai levar a júri, isso reflete a irresponsabilidade no momento atual", diz Sérgio, que perdeu o filho Augusto, então com 20 anos de idade.

O que dizem as defesas dos réus

O advogado Mário Luís Cirpiani, que defende Mauro Hoffmann, diz que a defesa entende justamente o contrário do que pensa o Ministério Público: que não ouve intenção de matar por parte de seu cliente.

"Era somente o sócio cotista e não tinha poder de decisão. Comprou cotas de empresa em pleno funcionamento e com todas as licenças em dia. Se a boate tinha problemas, segundo diz o MP, há pessoas que fiscalizaram a boate e autorizaram seu funcionamento e sequer foram denunciadas", afirmou ao G1.

Os advogados dos demais réus foram procurados, mas não foram encontrados ou não responderam aos pedidos.

Pais acusados de calúnia

Outro acontecimento significativo na esfera judicial aconteceu nos meses de julho e agosto de 2017. Mas desta vez quem sentava no banco dos réus eram os pais das vítimas, processados por calúnia por promotores do Ministério Público ainda em 2015.

Os promotores Ricardo Lozza, Joel Dutra e Maurício Trevisan se sentiram ofendidos por causa de cartazes e textos escritos pelos pais das vítimas, que reclamavam de omissão dos integrantes do Ministério Público no caso.

Às vésperas desse julgamento, em junho, os réus ganharam apoio de famosos, como os atores Rafael Cardoso, Dira Paes e Edson Celulari, que se manifestaram nas redes sociais.

Em junho, o próprio Ministério Público pediu a absolvição dos pais por considerar que uma decisão do Tribunal de Justiça havia comprovado a "lisura na conduta" dos promotores.

Destinação para o prédio

Neste ano foi dada a destinação ao prédio onde funcionava a boate Kiss. O local era de propriedade de uma empresa que chegou a cogitar possibilidade de construir um hotel no lugar. O prédio foi avaliado em R$ 4,5 milhões, mas a Prefeitura de Santa Maria acertou o valor da desapropriação em R$ 1,3 milhão a ser pago em 12 parcelas. Antes, pediu a quitação de R$ 170 mil em IPTU e outros tributos que estavam atrasados.

A ideia era demolir o prédio até janeiro de 2018, mas o cronograma do concurso para a construção do memorial em homenagem às vítimas mudou os planos. Agora, o advogado que representa os familiares no processo pediu que o prédio seja preservado até o fim do julgamento.

Escolha de projeto para memorial

No dia em que a tragédia completa cinco anos, será lançado o concurso para a escolha do projeto para o memorial. O projeto é uma parceria dos familiares, prefeitura e Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), financiado coletivamente em uma campanha que arrecadou R$ 250 mil.

A meta inicial era de R$ 150 mil. "O memorial vai deixar escrito na cidade aquilo que aconteceu [...] Daqui a 100 anos as pessoas vão saber", afirma Sérgio Silva.

Já o concurso será aberto a profissionais de todo o país, e a entrega dos trabalhos acontece no dia 2 de abril. Conforme o coordenador do concurso, Tiago Tiago Holzmann da Silva, os prognósticos mais otimistas apontavam que as obras poderiam começar ainda em 2018. Mas os planos devem mudar, caso a Justiça decida preservar o prédio.

Após a escolha do projeto, a próxima fase será a busca por financiamento. "Pode ser por meio de Lei de Incentivo à Cultura, que é uma possibilidade, patrocínio direto, uma vez que temos várias empresas vinculadas à área de proteção contra incêndio que se colocaram à disposição para contribuir, e a prefeitura, que desapropriou o terreno", explica o coordenador.

O projeto deve conter uma praça, um monumento e uma pequena edificação.

Petição encaminhada à OEA

Foi também em 2017 que o caso foi encaminhado à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), por meio de petição que denunciava a violação do direito das famílias à justiça.

Um ano depois, o pedido ainda é analisado. Depois de definida a admissibilidade, é analisado se houve violação de direitos humanos. Caso isso se confirme, são feitas recomendações ao estado brasileiro. Se as recomendações não forem acatadas, o caso pode ser encaminhado para a Corte Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH).

Em resposta, a corte disse que todas as petições enviadas em 2017 passaram por uma primeira análise, mas se não foram encerradas ou passaram para a segunda etapa de admissibilidade, podem ser solicitadas novas informações ao responsável pela petição, por exemplo.

A advogada responsável pela petição, Tâmara Biolo, afirma que o entendimento é que "o estado brasileiro tem responsabilidade sobre a tragédia" por não ter responsabilizado agentes públicos que teriam participação no que aconteceu.

Ela afirma que ainda espera que o processo seja instaurado, que as vítimas e familiares sejam indenizados, e que os culpados sejam responsabilizados.