Menu
Buscarquarta, 24 de abril de 2024
(67) 99913-8196
Dourados
31°C
Brasil

Bagagens de mortos em avião da Chapecoense tem confusão e exposição em WhatsApp

09 junho 2017 - 13h52Por Tahiane Stochero e Fábio Tito/G1

Seis meses de dor e sofrimento diário marcam a luta das famílias de jogadores, jornalistas e comissão técnica mortos no acidente da Chapecoense na Colômbia, em novembro de 2016, para a devolução dos pertences das vítimas. Os parentes relatam que pouco receberam de volta e, o que voltou, foi misturado e exposto sem privacidade em um grupo de WhatsApp criado em 12 de maio pelo clube para que viúvas e pais pudessem idenntificar os itens perdidos.

Parte do material havia sido tratado e acondicionado pela Blake Emergency, empresa contratada pela companhia aérea LaMia, que fazia o voo, para a recuperação. Outra parte das bagagens ficou retida no aeroporto de Rionegro e consistia, na maioria, em malas. Uma terceira parte foi entregue por moradores da região de La Unión, onde a tragédia ocorreu. Segundo o clube informou aos familiares no grupo de WhatsApp criado, pertences dos mortos foram saqueadas e sumiram no local do acidente logo após a queda.

O problema começou no momento do retorno de todas as bagagens a Chapecó, em Santa Catarina, a sede do clube. Lá, embalagens já fechadas, separadas e identificadas por vítimas pela Blake foram misturadas com o material recolhido e devolvido pelos moradores e as outras malas. Segundo as famílias, bolsas e invólucros lacrados, etiquetados e nominados foram abertos e pertences pessoais - até roupas íntimas - foram retiradas de dentro das bolsas e expostos no grupo de troca de mensagens. A mistura dos pertences preocupou familiares, mas a explicação foi que tudo seria mostrado para facilitar a identificação.

Fabienne perdeu na tragédia o marido, o fisiologista Luiz Cesar Martins Cunha, o Cesinha, de 47 anos. O casal morava em Santo André, no ABC paulista, e Fabienne recebeu a última ligação dele antes da decolagem da Chapecoense em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, cujo destino final era Medellín, onde o time iria disputar a primeira partida da final da Copa Sul-Americana, contra o Atlético Nacional. Na ocasião, Cesinha disse a ela que fariam um pouso em breve, para reabastecimento. Foi neste trajeto que o avião caiu, sem combustível, deixando 71 mortos e 6 feridos.

“Os pertences do meu marido são a última coisa que guardarei de lembrança, pois os caixões vieram lacrados. E tivemos que lutar por isso, cada dia era uma história diferente e muitas famílias não receberam ainda nada de volta. O pior foi a exposição e a falta de dignidade na forma como expuseram os pertences pessoas sem cuidado, privacidade ou preocupação com a questão emocional. Para eles, podem ser só bagagens. Para nós, são coisas de valor sentimental”, diz Fabienne.

Pelo grupo de conversas instantâneas, em que participavam pelo menos 67 pessoas, as famílias foram informadas também, por duas funcionárias da chapecoense, que parte dos pertences dos mortos foram saqueados no local do acidente e que a comunidade de El Gordo, onde a aeronave caiu, havia se mobilizado para devolver.

As imagens postadas no WhatsApp a doses homeopáticas pelas funcionários do clube durante ao menos duas semanas fizeras os parentes sofrerem, imaginando como a tragédia ocorreu, afirmam os familiares.

“Eu recebi dos pertences apenas o passaporte e o celular. Não acharam documento, aliança, nada. Daí eu estava na fila do banco quando as meninas da Chapecoense começaram a mandar fotos de pertences no grupo de WhatsApp. Uma das imagens era um sapato preto, com o cadarço aberto. O sapato que meu marido usava quando saiu de casa. É claro que naquele momento eu passei mal, tive que ser atendida no banco. Foi muita falta de dignidade”, afirma Mara Paiva, psicóloga e viúva do comentarista esportivo e ex-jogador Mário Sérgio Pontes de Paiva, que morreu na tragédia.

Mara lembra que, em alguns momentos, os responsáveis por administrarem o grupo de WhatsApp afirmavam que os pertences “haviam acabado” e horas depois, avisavam que iriam mandar novas fotos. “Agora uma nova leva, vamos mandar os eletrônicos”, anunciavam, diz. Em outro momento, à espera de imagens que demoravam, ela foi informada pelo WhatsApp que os funcionários da Chapecoense haviam saído para o almoço, e que os familiares deveriam esperar o retorno para ver as fotos dos pertences.

Outro ponto que ela não entende foi o fato da carteira do seu marido ter sido remetida da Colômbia em uma embalagem fechada, limpa e já nominal, mas o invólucro ter sido aberto e exposto em fotos no WhatsApp. “Uma coisa é eu me preparar psicologicamente para abrir isso em casa, fechada no meu quarto. Outra coisa é receber uma foto destas”, relata Mara.

'Tortura', diz irmão da radialista

"A forma escolhida por eles, a meu ver, foi um pouco errada, porque todos visualizavam os pertences de todos, sem privacidade. Era uma tortura sem fim. Cada foto que você abria era uma lembrança, um incômodo. Para eles, não tinha sentimento nenhum, tipo ‘tem que perder tempo com isso’. Mas, para nós, para cada foto que você abria, gelava saber se era do seu parente ou não”, afirma Rangel Agnolin, irmão do radialista Renan Agnolin, que também estava na aeronave.

“Recebemos do meu irmão apenas uma mochila, um boné e dois casacos. A gente não sabe o que aconteceu porque grande parte dos pertences desapareceram. A mala do meu irmão estava trancada e identificada, com as coisas dentro, que sumiram. Outros familiares também afirmaram que viram em vídeos na internet e na TV os pertences que nunca foram entregues”, explica Renan. Um dos exemplos é a carteira do volante Cleber Santana que a esposa reconheceu em uma reportagem na TV nas mãos de um bombeiro, mas que nunca foi devolvida.

“Como não sabemos como foi o acidente, acabamos fantasiando sobre o que ocorreu. Daí eles mandam imagens da camisas rasgadas, sujas de lama, celular quebrado, um pé só de um chinelo. As imagens que víamos mexem com o psicológico de todos”, salienta Renan.

“Eles quiseram fazer de uma forma mais fácil e rápida, mas isso acabou sendo mais traumático. Talvez não tenha sido má intenção”, reflete Graciela, mulher do médico da Chapecoense Marcio Bestene Koury, de 44 anos, que também morreu na tragédia.

“O retorno dos pertences é o fechamento de um ciclo para os familiares. Só queremos dignidade e respeito neste momento, pois estas pessoas foram retiradas do nosso convívio sem que pudéssemos nos despedir. E daí isso nunca encerra, porque toda hora tínhamos que nos deparar com mais fotos”, salienta Fabienne.